domingo, 28 de dezembro de 2008

Sobre a brevidade da vida


Em um pub, à noite.
Humberto: Bom amigo, vamos conversar e beber alguma coisa. Henry: Decerto, bom companheiro.
Humberto: Pois me conte o que tem feito.
Henry: Agora, que já vivi por mais de 55 anos, ando zelando pela minha saúde, porque é dito que ao nos acercarmos dos 60 anos, tendemos a ser acometidos pelos piores acasos, se assim os ousarmos chamar.
Humberto: Henry, acredito que não possamos medir o quanto vivemos meramente calculando o tempo decorrente do momento de nosso nascimento até o presente.
Henry: Como não, bom amigo? Não o compreendo, pois é desta forma que todos sabem o quanto já viveram.
Humberto: Você pode afirmar quem é o músico com maior proficiência em seu instrumento entre um que toque há 8 anos e outro que o faça há apenas 3, onde ambos pratiquem diariamente?
Henry: Creio que o mais competente seja o que toca há mais tempo.
Humberto: Embora o primeiro pratique durante duas horas por dia e o segundo,  sete, sendo as canções escolhidas por este bem mais elaboradas?
Henry: Sendo assim, devo mudar minha resposta por causa dos fatos agora apresentados.
Humberto: Exatamente, meu caro, pois não se deve atribuir a números o valor e a longevidade das coisas, mas sim ao que é feito e à maneira por que isso é feito. Ademais, creio que também deva mudar sua opinião sobre o modo de se contar o quanto foi vivido, pois de que adianta viver 80 anos imerso em frivolidades e despendendo seu tempo com o pouco valioso e necessário, com o acúmulo desmedido de bens, com a desmesurada vaidade?
Henry: Pois seu raciocínio está correto, prezado amigo, se formos pensar por esse ponto de vista.
Humberto: Decerto, meu caro, assim como determinado tipo de planta crescerá mais em um solo fértil que um mesmo exemplar de sua espécie em outro menos propício, embora o tempo de existência da primeira seja bem menor em relação à outra. O mesmo se sucede em relação à vida.
Henry: Excelente. Deixe-me pedir uma cerveja enquanto prosseguimos com nosso diálogo, velho companheiro.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Recriações Cinematográficas


Muitas vezes, é frustrante assistir a um filme baseado em uma obra literária, devido à ínfima fidelidade com o original, tal infidelidade nem sequer decorre de uma interpretação feita pelo diretor divergente da nossa, pois se assim o fosse, seria plenamente compreensível; contudo, os diretores modificam as histórias como lhes convém, se aproveitando das idéias de outrem para expressar as suas, é o mesmo que um tradutor modificar a obra original como lhe aprouver: infundado.
Pois, por que não criam suas próprias obras genuinamente ao invés de modificarem as de outros? Porque há uma grande distinção entre criar, reproduzir e recriar, este último nem mesmo deveria estar presente na literatura e no cinema, salvo algumas exceções. Talvez pensem que é indigno de mérito fazer algo deveras similar ao original; entretanto, é aí que reside o realmente sublime, apresentar aos admiradores da obra original todos os personagens sem substituições ou omissões relevantes concernentes a estes e à história.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Crer por conveniência


É comum e interessante o fato de cada indivíduo ter as suas crenças, estas que são adquiridas ao longo da vida normalmente mediante o pensamento e as experiências; contudo, outras só têm por base um suposto benefício próprio, para exemplificar, outrora, o desconhecido era atemorizante, e ainda o é, logo se atribuiu aos deuses a responsabilidade pelos fenômenos da natureza para contentamento da grande maioria, pois estes passaram a acreditar em tal fato não por uma questão de lógica, porém por conveniência, porque daquele instante em diante tinham algumas preocupações a menos para lhes tirar o sono.
Assim como oráculos eram consultados na antiguidade, cartomantes o são hoje em dia, e é notório que quanto melhor for a previsão para nosso futuro dada por estas, maior será nossa crença em tais informações. Do mesmo modo, muitos crêem que mal de muitos consolo é, pois tal afirmação faz com que se sintam mais leves, além da enorme conveniência presente em tal crença: poder continuar cometendo os mesmos erros, porquanto muitos também os cometem.

Portanto, é preferível acreditar em uma ilusão do que ficar sem respostas? Crer no que nos convém é bom até certo ponto, até que nos sintamos culpados e tenhamos de pagar por crimes que só recebem tal título na legislação de outrem. 

*Após a publicação deste texto, me deparei com um interessante trecho de Bertrand Russell em sua obra Ensaios Céticos,  no qual o autor se refere às crenças dos mais primitivos selvagens, que julguei ser um ótimo adendo para o presente escrito: "Crêem que quando um homem é assassinado, seu sangue ou sua alma persegue o assassino até ele se vingar, porém pode ser enganado por um simples disfarce como uma pintura vermelha no rosto ou pondo luto. A primeira parte desta crença originou-se, sem dúvida entre aqueles que temiam o assassinato, e a segunda, entre os que o haviam cometido.".

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Colóquio Vespertino


À tarde, em uma praça, dois amigos se reencontram após muito tempo.

Erasmo: Meu estimado amigo, há quanto tempo não o via
Arthur: Olá, bom companheiro, tenho dificuldades em exprimir minha alegria ao revê-lo
Erasmo: Pois, então, conte-me como vai a vida conjugal
Arthur: Esta se desfez assim que a ilusão se findou
Erasmo: Uma pena que a ilusão não seja perene, porque como disse Wilde: "No início enganamos a nós mesmos, em seguida, enganamos o outro: isso é o romance"
Arthur: Não seja tão duro, pois à medida que um romance chega ao fim, outro em breve terá seu início, porquanto há sempre alguém diferente de nós a nos fascinar com sua graça.
Erasmo: Você se equivoca, amigo, o deveras diferente tende a nos repelir .
Arthur: Pelo contrário, camarada, é notório que nosso maior fascínio é voltado àquilo que nos falta.
Erasmo: Outrora, não discordávamos tanto, a diferença não consegue viver muito tempo lado a lado com a sua antítese; assim como o fogo arrefece em contato com a água, as chamas do amor se apagam ante o efeito adverso causado pela simples emissão de ar da boca de quem a nós nem sequer se assemelha.
Arthur: Como posso ser completado por alguém idêntico a mim? Ansiamos por todas aquelas qualidades que nos são inalcançáveis.
Erasmo: Arthur, assim como quem é pequeno acaba por se sentir menor ainda se ao lado de alguém de grande estatura, a inteligência tem maior destaque ante a ignorância, portanto não existem metades que se completam.
Arthur: Você me confunde, Erasmo, deixe minhas convicções em paz, afinal tudo tende ao término e ao recomeço, as histórias são sempre iguais.
Erasmo: Suas idéias ainda não amadureceram plenamente quanto a este assunto, bom amigo, e frutos ainda não sazonados não são muito atrativos, e se os almejar retirar da árvore antes do amadurecimento, eles poderão ainda estar azedos.
As histórias são sempre as mesmas, você afirma; os personagens, contudo, mudam, logo elas podem ser no máximo parecidas, pois são estes que lhes dão valor.
Arthur: Fascinantes as suas teorias, prezado Erasmo, porém tenho de me retirar, espero que em breve nos encontremos novamente.
Erasmo: Felicidades, estimado companheiro.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Cárcere das repetições


Ouvir sempre a mesma música entedia
Independente da circunstância, noite ou dia
O mesmo alimento atrai o desalento
E quando não se está contente
Inevitavelmente, fica-se silente

Posso tocar o mesmo instrumento,
Contudo canções de alegria e lamento
Um assunto por muito não pode perdurar
Embora haja sempre os mesmos a conversar

Presenteie-me com sua ausência
Para que o afeto não entre em decadência
Por embalarmos a vida sempre na mesma cadência



*Baseado na frase: "Sempre que fazemos alguma coisa com muita frequência, ela jamais se constitui em um prazer", retirada da obra "O retrato de Dorin Gray", de Oscar Wilde

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Ilusão Formal


Estava lendo um pouco de Schopenhauer sobre a literatura e achei uma de suas passagens bem interessante, (na verdade, julguei várias como deveras pertinentes, mas vou citar indiretamente apenas uma) na qual o autor afirma que o principal fator de distinção entre algo digno de ser lido e algo dispensável é a forma, pois há inúmeros livros sobre historia, por exemplo; contudo, uma exígua parcela destes merece destaque, embora o tema possa ser o mesmo, o que distingue-os dos demais é a maneira pela qual são escritos, obviamente se levando em conta as idéias do autor, mas isso acaba sendo um reflexo da forma.
Portanto, é importante um cuidado para não se concordar com tudo que é lido (ou ouvido), simplesmente por este ser agradável e/ou bem escrito; deve ser atribuída a tal poder de persuasão, que um texto bem apresentado pode exercer, a duração de pensamentos hoje vistos como infundados; porém, que eram vistos como verdades imutáveis outrora.
Um exemplo com o qual me deparei há poucos dias: li em algum lugar o seguinte adágio (ao menos acredito que o seja): "Metas costumam decepcionar! Sem alvo para atingir, a flecha jamais erra", à primeira vista achei fascinante tal frase, sobretudo pela excelente metáfora; todavia, a mesma simplesmente incentiva a ociosidade, o acaso, destarte, é preferível que uma miríade de flechas erre seu alvo, do que elas nem sequer tenham um alvo objetivado.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Um sonho dentro de um sonho


Receba este beijo em sua fronte
Pois com ele me despeço rumo ao horizonte
Deste modo, deixe que lhe conte:
Você não está errada ao considerar
Que meus dias têm sido um eterno sonhar
Contudo, se a Esperança desaparecia
À noite, ou enquanto era dia
Em uma visão, ou em nenhum
Não resta Esperança, nem sentimento algum
Tudo aquilo que nós vemos ou parecemos
Não passa de um sonho dentro de um sonho que perdemos

Eu fico imóvel em meio a rugidos
De um mar atormentado em seus bramidos
E seguro entre minhas mãos
Dourados e arenosos grãos
Quão pouco! Entretanto estão partindo
Por entre meus dedos vão sumindo
Enquanto a dor vai me consumindo
Ó, Deus! Não posso dar-lhes abrigo
Em minhas mãos, mantê-los comigo?
Ó, Deus! Não posso sequer um resgatar
Desta impiedosa fúria do mar?
Será tudo que vemos ou parecemos
Um sonho dentro de um sonho que perdemos?

* Tradução do poema A dream within a dream de Edgar Allan Poe, que fiz na faculdade

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

NINGUÉM = ninguém


Não é interessante conversar com um amigo acerca da infância e ficar intrigado com tantas brincadeiras e sonhos em comum, eu tive a ilusão de ter sido uma das poucas crianças que sonhou em ser astronauta ou brincou de pára-quedas com bonecos e sacolas, um disparate, pois praticamente todo mundo em tenra idade já fez tais coisas. O questionamento é oriundo daí: não seríamos praticamente todos iguais enquanto pequenos, porque assistíamos aos mesmos desenhos, tínhamos os mesmos heróis, além de não fazermos grandes reflexões sobre nós mesmos?
Embora cresçamos, é possível ver muitas pessoas na adolescência agindo de forma análoga ou até mesmo idêntica, quiçá pelos mesmos motivos das crianças: vêem somente as mesmas coisas e pouco pensam sobre si próprias. Em minha cidade, por exemplo, os lugares pra se ir à noite são voltados somente a um público, pois é o que predomina, havendo ínfimas reclamações, assim como exceções.
Contudo, quando é alcançada uma idade mais elevada, as pessoas começam a se distinguir um pouco umas das outras, talvez devido ao amadurecimento companheiro de viagem da idade, e pelas ocupações que impossibilitam uma ociosidade que molda as pessoas de uma forma tão parecida. Como foi dito na grande obra de George Orwell: "Todos iguais, mas uns mais iguais que os outros".