quinta-feira, 23 de abril de 2009

Breve tratado sobre a irracionalidade


“A maioria dos homens hoje se sente desconfortável em rezar pela chuva, em virtude da meteorologia; mas não sente tanto desconforto em relação a preces para um coração saudável. Se as causas de um coração sadio fossem tão conhecidas como as causas da chuva, essa diferença cessaria.”
(Bertrand Russell)

É notório que a racionalidade difere o homem dos demais animais, logo, pode-se julgar o instinto como a antítese da razão, destarte, quanto mais o indivíduo é capaz de controlar o seu instinto em situações importantes, mais racional ele é.

Desde os primórdios de sua existência , o ser humano foi atormentato por um enorme temor ante o desconhecido, por conseguinte, ele denotava ter uma enorme pressa para se livrar de tais medos, logo adotava as primeiras soluções que lhe parecessem lógicas, embora essas, na grande maioria das vezes, fossem deveras precipitadas e infundadas.

É provável que diversos mitos ainda existentes nos dias contemporâneos sejam frutos de um mero acaso, como o fato de alguém ter cruzado por um felino preto antes de ser acometido por uma grande tragédia, consequentemente, este alertou seus compatriotas após descobrir uma das supostas fontes do azar, e tal informação se disseminou de tal forma que continua presente na vida de muitos.

Ademais, a criação de deuses é uma rota de fuga do ser humano, é algo instintivo, tendo origem desde a antiguidade clássica, onde se explicavam os trovões, a chuva e diversos outros fenômenos naturais por meio de algo divino. Também pode-se notar que povos isolados que jamais tiveram contato com outras formas de civilização também criam seus deuses devido ao terror que os assombra.

Os Astecas foram o povo que provocou o maior número de sacrifícios, um destes consistia em executar um indivíduo por dia para auxiliar o sol a nascer, não tenho conhecimento da origem desse sacrifício, mas é tão dotado de fundamento como estar dançando no exato momento em que começa a chover e definir a dança como causa e a chuva como consequência, embora, tal método comece a falhar "estranhamente" nas vezes seguintes, contudo o mito não se desfaz.

Entretanto, não se deve atribuir somente ao medo a criação de tais crendices, porque a conveniência tem um papel bastante importante nessa história, como no nazismo, já que a maioria se denominava como arianos, portanto era mais do que conveniente exterminar os demais e se qualificar como uma raça superior, conquanto o fizessem sem um exíguo uso da razão, porém isso não era importante. Nunca o é no que concerne à maioria das crenças aqui tratadas.

Indubitavelmente, um dos maiores receios da humanidade gira em torno da morte, logo a esta é relacionada a maioria dos mitos existentes, e as justificativas dadas a quem inquire de como é possível saber acerca de algo além da vida é que estas coisas simplesmente são assim e é impossível de explicá-las, visto que tais realizações vão além da nossa compreensão, portanto, basta que as aceitemos.

Contudo, no que tange à morte, não há como tirar a razão do que por Sócrates foi dito: “Mas a morte, ninguém sabe se acaso não é o maior de todos os bens para o homem – porém a temem como se soubessem ser o maior dos males! E o que é isso, senão aquela ignorância mais reprovável: a de pensar saber o que não se sabe?”. Tal frase foi proferida em seu julgamento, onde este foi condenado a beber a cicuta, podendo comutar sua pena pelo exílio, oferta que foi declinada, pois o filósofo julgou não ser algo muito inteligente trocar o incerto, que tanto pode ser bom, ruim ou até mesmo neutro, como a morte, por algo que certamente lhe seria prejudicial.

Dando prosseguimento, além de irracionais, somos presunçosos a ponto de criticar a cultura alheia e querer insituir a nossa em seu lugar, como foi feito com muito índios, obrigando-os praticamente a comutar seus hábitos pelos nossos. Tal atitude tem tanto fundamento como pegar uma de nossas mulheres, preferencialmente as filhas de tais palermas responsáveis pela idéia acima e as enviar a um país árabe, para que desfrutem de uma cultura melhor (ao menos do ponto de vista do povo de lá, em suma, o mesmo que fazemos com os índios), onde sequer possam sair de casa e mostrar mais de seu corpo do que os olhos.

Do mesmo modo, como há formas inócuas de crendices, há outras que provocam consequências bastante nefastas, por exemplo, é pouco relevante se alguém receia ou é indiferente e critica o mito de que passar sob escadas gera infortúnio, em contrapartida, houve a santa inquisição que perseguia indivíduos suspeitos e a muitos incinerava, tais suspeitas pairavam sobre homens que não iam muito amiúde à igreja ou não batizavam os filhos, entre inúmeros outros casos sob a alegação de estes serem bruxos devido a seus atos bastante estranhos.

Com base no exemplo acima, pode-se notar que havia uma crença muito maior na igreja do que no próprio Deus, e os indivíduos daquela época eram impossibilitados de questionar, até filósofos que diziam provar a existência de Deus mediante a metafísica eram perseguidos e seus escritos postos na lista dos livros proibidos. Na verdade era o pensamento, a racionalidade que estava sendo queimada, esta que hoje em dia sofre os mesmos atentados, porque assim que o indivíduo nasce já lhe imergem em um mundo de mitos e irracionalidade, onde a este cabe viver sem questionar e que a sorte lhe faça abrir os olhos enquanto ainda não for tarde demais.

sábado, 18 de abril de 2009

Momentos de monotonia


Dia desses, estava presente em uma determinada discussão, cujo assunto central, em dado momento, foi se era pior ser traído por alguém do mesmo sexo ou por outrem do sexo oposto, houve poucas respostas, porque o tema foi comutado em poucos instantes; contudo, uma delas dizia que era pior ser trocado por alguém do mesmo sexo, tendo em vista que tal pessoa teria mais atrativos se comparada com o ente traído, em contrapartida se fosse por um indivíduo do mesmo sexo não haveria possibilidades de concorrência, destarte seria menos doloroso.

Discordo de tal opinião tendo por base duas citações, primeiramente, como disse Nietzsche, nós amamos mais o ato de desejar do que o objeto desejado e, ademais, "Sempre que fazemos alguma coisa com muita frequência, ela jamais se constitui em um prazer", dito por Oscar Wilde. Ou seja, não há uma competição justa entre alguém que integra um relacionamento já desgastado pelo hábito e pela mesmice cotidiana com outrem imprevisível e fascinante, porquanto muitas pessoas perdem a imprevisibilidade e a arte de fascinar com o decorrer do tempo, com a queda do véu, o qual é responsável pelo misticismo, este detentor de enorme fascínio.

Adotando novamente a teoria de Oscar Wilde*, pode-se comer o seu prato favorito durante duas semanas, nos primeiros dias isso será visto como formidável, devido ao enorme prazer gerado; todavia, com o passar dos dias, ansiaremos por mudar o cardápio, embora por algo que não seja nosso alimento predileto, o mesmo ocorre se o melhor disco da melhor banda que consideramos for ouvido durante o mesmo período sem jamais alterarmos por outro. Haverá desgaste, desejo por algo distinto, o mesmo ocorre com a espécie de amor aqui tratada quando ela se torna um cárcere de repetições ao invés de uma aprazível forma de liberdade e inovações.

*Ler o escrito "Cárcere das repetições" presente neste blog. 

domingo, 12 de abril de 2009

Descaso II


No meio de um diálogo entre três amigos.

Oscar: Amigos, deixem que lhes conte a peça que o destino me pregou...

Arthur: Espere aí, destino? Não acredito que em pleno século XXI você ainda creia em tais baboseiras, caro Oscar.

Oscar: Como não crer, se é como se o destino resolvesse dar claros sinais simplesmente visando nos mostrar sua existência.

Victor: Seja mais objetivo.

Oscar: Por exemplo, certo dia, peguei dois livros ao acaso na biblioteca, e em ambos havia um mesmo jogo de cartas, este que me era desconhecido. Obviamente o que me veio à mente: "é o destino brincando comigo".

Arthur: Meu caro, isso que você chama de destino deve ser intitulado de acaso, mera coincidência, nada mais.

Victor: Eu não creio em nenhum destes dois, pois não me agrada ser mero personagem em um livro qualquer, onde todas as minhas ações já estão premeditadas e sequer fui eu que as planejei, da mesma forma, acho abominável a idéia de todos meus grandes feitos serem atrubuídos ao acaso, à sorte de estar no instante certo no local certo.

Arthur: Interessante sua teoria; entretanto, vejo o acaso de uma forma um tanto distinta da sua, pois você pode até obter algo mediante o acaso; contudo, não conseguirá manter-se naquilo se nenhuma habilidade possuir. E quanto a isso vemos inúmeros exemplos nos meios de comunicação, como na música, por exemplo, onde a fama não passa de um relâmpago, algo deveras efêmero quando não há talento.

Victor: Muito interessante, meu amigo. Ademais, o destino é uma forma um tanto tola de resignação, onde tudo está no seu devido lugar, e não temos possibilidade de fazer as coisas de outra maneira.

Oscar: Creio ser uma questão de bondade, se você for bom, seu destino será brilhante, do contrário haverá diversos percalços em seu percurso.

Arthur: Isso me soa como o livre-arbítrio, este que julgo deveras infundado, porque você pode agir como lhe aprouver; porém, se essas ações forem boas, haverá recompensas, se forem más, haverá punições, isso não é liberdade, pois esta consiste em fazer o que se almeja, sem ter nada a temer, nem se utilizar de segundas intenções, no caso, ser bom visando recompensas.

Victor: Isso tem sua verdade, estimado Arthur. Porém, posso até crer mais em algo do que em seu oposto, mas nunca fecho as portas ao inesperado, pois não há nada de sábio nisso, porquanto sempre podemos nos equivocar.

E o tempo se esvai, enquanto o colóquio dos três companheiros não cessa.