segunda-feira, 27 de julho de 2009

Fenecer


Certo dia, deparei-me com a afirmação de que a infância não possui nada de sublime, afinal somos muito mais nós mesmos com o amadurecimento. Então o que seria esse amadurecimento, um botão virando espinho com o passar do tempo e se imaginando uma rosa, porque assim o jardineiro almejou? Possivelmente, pois não há perfídia, vaidade e nem mesmo preconceito em nossos primeiros anos, destarte, a definição correta para os anos posteriores não seria apodrecimento?

Sêneca atesta que morremos piores do que nascemos, devido a tantos vícios adquiridos ao longo do percurso existencial, e creio não haver nenhum equívoco em seu ponto de vista. Quiçá tal piora se deva ao fato de tomarmos sempre os piores exemplos, como um veneno ao invés de uma cura, porquanto é notório que convivemos diariamente com o sublime e com o execrável, muitas vezes ambos conjugados em uma mesma pessoa; todavia, é como disse acertadamente Molière: “É o lado melhor que a gente deve imitar numa pessoa, nunca a maneira como ela cospe, tosse ou se assoa”.

Concordo com essa miríade de equivocados que sentem saudades da infância, porque éramos isentos de responsabilidades, talvez  fôssemos mais livres do que somos hoje, embora houvesse uma série de restrições decorrentes de nossa tenra idade; podíamos, contudo, nos deleitar com as brincadeiras mais divertidas e diversas sem que ninguém nos reprovasse por isso. Porém, ao se ficar mais velho, veem-se aquelas antigas fontes de diversão como águas contaminadas pelo passar do tempo. Meu intento não é pregar que brinquemos de bonecos, por exemplo, pelo resto da vida, mas sim valorizar formas simples de alegria que são deixadas para trás com o amadurecimento.

Tal tema me faz recordar um conto interessantíssimo de Tchékhov, no qual um personagem pobre consegue se tornar rico após um pacto com o diabo, entretanto a riqueza lhe traz grandes desolações, pois o reprovavam constantemente na rua por tocar certo instrumento musical enquanto caminhava, entre outras formas simples e inócuas de contentamento que não condiziam com sua classe social, logo eram censuradas. O mesmo ocorre com o amadurecimento, pois certas atitudes não condizem com nossa idade, todavia a perfídia, a vaidade, o desdém pelo próximo e o preconceito são atitudes bastante naturais. Há um contraste interessante entre os humanos e os frutos, visto que esses se tornam mais saborosos e apetecíveis com o amadurecimento.


terça-feira, 21 de julho de 2009

Realidade desejosa de imaginação


Pode-se criar uma fábula
Tornando o herói um crápula
Fazendo com que a princesa
Seja bondosa como toda realeza

Porém, além do final feliz
Há um inconveniente que diz
Haver diferença entre a vida real
E a fantasia e seu mundo surreal

Nesta daqui, há espaço pra tristeza
Paira sobre nós a incerteza
Ante a bondade da princesa

Não há aberrações disformes
Contudo, diferenças e uniformes
Monstros humanos desinformados

domingo, 19 de julho de 2009

Fria resignação


Descerrou os olhos e viu tudo ganhar forma e coloração 
O frio há muito imperava e num átimo deu fim à ilusão 
Tudo retornou às sombras, sua alma no escuro 
Almejava fugir, mas era inexeqüível transpor o muro  

Certa ânsia incomum por mudanças lhe acomete 
Com a fúria de um cometa, sua vida mudar promete 
Ergue-se do leito, e celeremente busca dias cálidos 
Um adeus aos momentos gélidos e aos sentimentos áridos 


Porém, a fim de se acostumar com o frio de cedo 
Senta-se em frente à estufa e enfrenta o medo, 
Estufa o peito e diz: “a mudança há de acontecer”
Contudo, é notório, que seu destino o homem deve tecer

Soou lhe difícil criar uma canção desprovida de lamentos
Porque escondia de si próprio os instrumentos
Destarte, imperou o silêncio e este não foi destronado
Quando não se evitam os vícios, torna-se deles aliado

Sendo assim, esperou para livrar-se do frio o verão
Contudo, nada ocorreu, nenhuma mudança de estação
Conformou-se com um perene e impiedoso inverno
Pois seu regozijo da temperatura tornou-se subalterno.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Traços destratados


Surgiu como uma folha em branco
Mas contagiaram-no com o pranto
Iniciou com alguns riscos
Logo estava cheio de rabiscos

Traços de uma única cor
Esta que evoca a dor
Ao tentar a mesma apagar
Viu nada saindo do lugar

No lugar de um belo desenho
Há nada mais que um triste cenho
Cujas lágrimas borram o papel

Em vez de um belo poema
Ficou-se em um dilema:
Foi esta folha usada bem?

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Analogias entre realidade e ficção


Será que já nascemos predestinados ao sucesso ou ao fracasso, ao regozijo ou à agonia? Primeiramente, deve-se frisar a inexistência de qualquer influência metafísica em tal questão, como Deus ou algo intitulado de destino. A resposta a tal interrogação é afirmativa, uma vez que se um ser humano é fruto de um vínculo entre indivíduos imersos na pobreza, este estará fadado, na maioria das vezes, a navegar no turbulento mar da miséria. Da mesma forma, tal afirmação referente a um percurso imutável é válida em relação a indivíduos pertencentes às castas mais baixas da Índia, visto que sua ascensão social é praticamente impossível. Negou-se a influência de desígnios divinos em tais ocorrências, porque as mesmas são regidas pela arbitrariedade, são meras questões culturais; dotadas, contudo, de força e perversidade tremendas.

No filme Gattaca, é possível identificar os indivíduos inferiores, chamados de “inválidos” e os superiores, a identificação é feita mediante uma análise de suas cargas genéticas. Deste modo, obtém os melhores empregos quem é dado como detentor de grande capacidade, sendo o principal teste de admissão um exame de DNA. O mesmo ocorre nos dias contemporâneos, porquanto o principal critério de avaliação é a classe social à qual se pertence, nossas qualidades adquiridas por mérito próprio ficam em segunda instância. Entretanto, é um tanto infundado atribuir maior relevância àquilo que já se nasceu possuindo, ao invés do que foi conquistado por intermédio do próprio empenho. Como foi dito por Sêneca: “Se alguém, ao comprar um cavalo, não o examina, mas olha a sela e os arreios, é estúpido; assim é ainda mais estúpido quem julga um homem pela vestimenta e pela condição social, que não passa de uma cobertura externa”.

Contudo, há uma quebra de tais regras na obra cinematográfica, porque o personagem principal, Vincent, consegue se tornar um astronauta, esse que era o seu sonho. Embora tal meta fosse vista como inexeqüível para todos à sua volta, seus pais, seu irmão, etc., visto que o protagonista era considerado um inválido, pois possuía tendência a problemas cardíacos, ademais não era dotado de uma carga genética adequada à sua ambição. Entretanto, conseguiu chegar aonde almejava, mediante treinos físicos e estudos incessantes. Outrossim, foi-lhe necessário se passar por outra pessoa, pois precisava mostrar-se um “válido”, do contrário não teria como se tornar um astronauta.

No filme, Deus foi substituído pela ciência, sendo essa a nova divindade vigente, havendo na própria obra os “filhos de Deus”, que são os indivíduos cujo nascimento é natural, e os “filhos da Ciência”, estes possuindo as vantagens de nascerem munidos de cargas genéticas bastante favoráveis. Talvez estejamos rumando à mesma comutação de deuses, pois como Bertrand Russell proferiu: “A maioria dos homens hoje se sente desconfortável em rezar pela chuva, em virtude da meteorologia; mas não sente tanto desconforto em relação a preces para um coração saudável. Se as causas de um coração sadio fossem tão conhecidas como as causas da chuva, essa diferença cessaria.”.

Entretanto, tais alternâncias de divindades de nada servirão para melhorar nossa existência, se um dos deuses mais descabidos e atrozes não for destronado, este deus é a cultura. As tradições são vistas como divinas há muitos anos, pois poucos ousam questioná-las e muito menos agir em desacordo com as mesmas, porquanto a punição destinada a esses insolentes ou lunáticos é um verdadeiro inferno terrestre. Tal divindade é tão perversa quanto certo deus asteca, cuja exigência consistia em um sacrifício diário a fim de auxiliar o sol a nascer.

Concluindo, são dignos de mérito os indivíduos capazes de suplantar as barreiras culturais que lhes são impostas desde o nascimento, cujos sonhos são sólidos, não se desfazendo ante uma ínfima ou imensurável dose de desmotivação. Infelizmente, há muito poucos desses seres divinos, em contrapartida o absurdo e as tradições recebem cada vez mais altares, honrarias e sacrifícios.