segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Formulação


Se fosse inquirido acerca das principais qualidades de que um indivíduo deve dispor para ser agradável, responderia inteligência, senso de humor e, sobretudo, imaginação, porque se obtivesse apenas as duas primeiras, seria como possuir apenas conteúdo, mas necessitar de forma. 

Tomando por base o que Schopenhauer dissera: "Pois, como podemos supor, um bom cozinheiro pode dar gosto até a uma velha sola de sapato; da mesma maneira, um bom escritor pode tornar interessante mesmo o assunto mais árido.”, trocando em miúdos: havendo imaginação, o assunto mais fastidioso pode se tornar aprazível. O mesmo não sucede, contudo, se houver apenas uma inteligência aguçada, porque é notório que há uma infinidade de sabichões enfadonhos, assim como seres que se julgam engraçados por dizerem quaisquer baboseiras.

Oscar Wilde afirma que uma relação tanto de amor como de amizade só pode ser mantida mediante o diálogo, julgo a conversa um fator relevantíssimo, entretanto um corpo é incapaz de se manter vivo sem uma certa harmonia entre diversos órgãos; porém, pode-se viver tranquilamente sem um dedo ou uma mão. Em suma, o diálogo é uma parte vital, mas creio que necessite de algo mais, embora possua uma importância, quiçá, inigualável.

Concluindo, a forma é uma espécie de tempero que faz toda a diferença, pois de nada serve preparar os alimentos mais suculentos, se, na hora de os consumirmos, eles não tiverem ao menos algumas pitadas de sal. O mesmo há em relação aos colóquios, e tal ilustração pode ser feita por intermédio de outra citação de Schopenhauer: “A diferença em questão, entre a matéria e a forma, mantém sua validade mesmo no que diz respeito à conversação. O que torna um homem capaz de conversar bem é a compreensão, o critério, o humor e a vivacidade que dão à conversação sua forma”.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Soneto Insone


Soneto sensato, soneto sem sal
Sua forma disfarça as faces do mal 
Sua força destroça o que é correto 
Distorcendo o caminho outrora reto

Frutos infrutíferos furtivamente
Substituem os sadios, impunemente
Dissabores diários tornam-se naturais
Diversas fontes de insatisfação irracionais

Como ironizou o poeta com profundidade
“O mal consentido faz parte da bondade”
E grande parte das inversões vira verdade

Um sino poderia incrivelmente alto badalar
E a uma multidão do disparate despertar
Uma derradeira inversão e tudo em seu lugar


sábado, 15 de agosto de 2009

Sons de mudança


Talvez haja conforto em tal situação 
Porém o que importa, se inexiste emoção 
Quiçá haja um receio ante o que irão pensar 
Sendo isso suficiente para não mudar 

Habita algo nem inferno nem paraíso 
Momentos de angústia e de sorriso 
Há um empecilho intitulado vaidade 
Que nos afugenta e desvia da felicidade 

Anseios sinceros, temores atrozes 
Muitos desincentivos, muitas vozes 
Consternação e condenação velozes 

Porém, não seria sensato ao menos uma vez 
Esquecer o alarido e entregar-se à surdez?; 
Ouvindo apenas a si mesmo, eis a sensatez

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Divagações descritas


"Certas vezes não é de se estranhar que a arte seja mais tocante do que sua inspiração: a realidade? Quiçá o seja, pois nos identificamos mais com os personagens ficcionais, visto que não são meros nomes que vemos na televisão ou lemos no jornal, porém seres cujas trajetórias e infortúnios nos são narrados minuciosamente, tais acompanhamentos deles nos aproximam e de suas desditas nos apiedamos. Contudo, é notório que a realidade é mais chocante do que a arte, tanto em relação à felicidade, quanto à tristeza e à condolência pelo próximo; entretanto, a forma como tudo ocorre é de bastante relevância.

Como já foi dito, a realidade inspira a arte (e vice-versa), esta que é uma forma de representação daquela, porém pode-se notar claramente o desejo de se transmitir um pouco de imaginação para a realidade, do contrário não haveria tantas obras repletas de seres inexistentes,  com capacidades inatingíveis para nós, meros mortais. Todavia, será que tal ânsia pelo místico não contribui para a proliferação das superstições? Como disse Carl Sagan, quem, embora não crendo, nunca pensou em quais seriam seus desejos caso encontrasse uma lâmpada mágica? Tal exemplo não é de se estranhar, pois desde o berço já somos imersos em crendices, eu mesmo, em tenra idade, já fui levado a benzedeiras e fiz cirurgias astrais. 

É sabido que as crianças creem em praticamente tudo que lhes afirmamos, destarte, se lhes dissermos que façam três pedidos antes de amarrar certa fitinha no pulso (divina, decerto!), porque, quando esta cair por conta própria, realizar-se-ão os anseios escolhidos, com certeza elas acreditarão, tomei este exemplo, pois o vi recentemente. Portanto, há outra forma de traduzir isso além de uma atitude cujo único resultado será o de aproximar pequenos indivíduos de grandes misticismos, imensas baboseiras?

Concluindo, creio que a fantasia merece seu lugar na arte; porém, a natureza e o próprio homem com suas descobertas e invenções já nos brindaram com uma infinidade de maravilhas, que julgo prescindirmos de misticismos na vida real, pois, neste caso, eles somente servirão para desviar nossos olhares das verdadeiras maravilhas."

sábado, 1 de agosto de 2009

Diálogo sobre a felicidade


Madrugada, dois amigos conversam defronte ao mar.

George: O que você me diz acerca da felicidade?

Mary: Creio ser algo grandioso; que se situa, porém, em ínfimas fontes de satisfação.

George: Mas de que maneira a alegria pode residir em coisas mesquinhas? Porque, para mim, ela se encontra no que há de mais sublime.

Mary: Na verdade, as formas de se alcançar a felicidade são relativas, do mesmo modo que a saciedade pode ser obtida mediante a ingestão dos mais diversos tipos de alimento, não somente por intermédio das comidas mais sublimes, preparadas somente por exímios cozinheiros.

George: Concordo em um aspecto com sua metáfora, pois assim como a saciedade, a alegria não passa de um estado. Portanto se não for instigada, em dados momentos, acabará por cessar, assim como as chamas de uma fogueira.

Mary: Estou de acordo com sua opinião, meu amigo, porém é um tanto útil essa constante necessidade de renovação por parte da felicidade, porquanto a adversidade é deveras relevante para o nosso crescimento.

George: Por que você considera a adversidade como uma bênção? Isso denota ser otimismo desmedido, minha cara.

Mary: Pois veja bem, até mesmo a dor é muito importante, porque se não a sentíssemos, correríamos o risco de nos ferir e só nos darmos conta disso quando fosse tarde demais para tomar qualquer atitude, no que tange a momentos de desdita, julgo-lhes relevantes, porque fazem com que conheçamos o mundo e a nós mesmos, livrando-nos de certas frivolidades que a felicidade mascara, mesmo que não propositadamente.  

George: Você tem certa razão, mas ninguém pode declarar-se feliz até o fim de seus dias, visto que pode ser acometido por uma grande adversidade, cujo mal é extirpar a felicidade até mesmo das lembranças.

Mary: Creio que um grande infortúnio é incapaz de definir uma vida como feliz ou desditosa tendo somente a si próprio como base, porque se uma excelente partida foi feita desde o princípio, certas desvantagens em seus instantes finais não serão suficientes para decretar uma derrota.

O tempo se esvai, enquanto os dois amigos, felizes, continuam a filosofar.