segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Questionando convenções


Estou convicto de que nossa vida gira em torno de convenções, o engraçado é que elas podem ser vistas como estranhas ou incômodas em certos casos e como inócuas em outros, quase imperceptíveis para a grande maioria. Decerto, isso ocorre devido à comodidade gerada pelas mesmas, isso quando são aceitas; todavia, há certa insatisfação ou impossibilidade de a estas nos adaptarmos quando as taxamos de infundadas.

Em relação a se perceber a presença das convenções, basta sair à rua, embora possamos vê-las mesmo dentro de nossas residências, e atentar no fato de os homens usarem um tipo de indumentária bastante análogo entre si, já o mesmo ocorre com o sexo oposto, contudo não se vê amiúde homens com vestimentas femininas e vice-versa. Ademais, pode-se prestar atenção aos hábitos alimentares, porquanto é raro ver alguém comendo apenas pães no horário do almoço e se alimentando de algo que comumente comemos na refeição de meio-dia no momento do café vespertino. 

Quanto aos hábitos arbitrários expressos acima, pouca gente se objeta, visto que são  bastante simples de serem seguidos; em contrapartida, quem jamais ouviu imprecações acerca da gramática, por exemplo? Esta não deixa de estar na mesma categoria dos exemplos anteriores; o que a difere, contudo, é a dificuldade de dominá-la plenamente. O mesmo ocorre quando ouvimos impropérios por parte de particulares convivas de um banquete, que não veem sequer um ínfimo fundamento em todas aquelas regras de decoro na mesa, como utilizar determinado talher quando for nutrir-se de determinado alimento, alternando os utensílios de acordo com cada um dos pratos. 

Dando continuidade, há um outro ponto concernente às convenções, que realmente merece uma infinidade de impropérios e o título de descabido: são as classes sociais. Tomemos, por exemplo, a nossa língua falada, em tal modalidade é notório que todos cometemos "erros" a cada momento, entretanto alguns são admissíveis, enquanto outros transformam quem os proferiu em motivo de chacota. É comum falarmos "tu visse" ou "tu viu", e todos entendem, sem ninguém criticar, praticamente o mesmo ocorre com "ele entreteu a criança", e com mais uma miríade de exemplos distintos; todavia, basta alguém menos favorecido proferir um "pobrema", e já será considerado o confrade de diálogo mais estúpido da face da terra, porém, se formos julgar o que é certo e errado na fala, não estariam todos os exemplos dados neste parágrafo no conjunto dos incorretos? A mesma distinção ocorre quando alguém de poucos recursos financeiros pratica um furto, este é visto como o ser mais execrável existente, e se possível for, apedrejá-lo-ão em praça pública. Contudo, o mesmo não ocorre com quem sonega algo em seu imposto de renda, faz um "gato" na TV a cabo ou na internet, consegue de alguma forma ilícita pagar menos do que o valor correspondente a seus gastos em relação à conta de luz ou de água, entre outros exemplos. Dentro do que se convencionou, não são todas essas atitudes consideradas como errôneas ou criminosas? Então, por que apenas as ações cometidas com mais frequência por indivíduos com menor escolaridade e baixa fonte de renda são consideradas piores, dignas de punição?

Concluindo, não almejo uma impunidade geral, dentro da qual, todos possam fazer o que lhes aprouver, sem recear por consequências incômodas, porém é necessário haver o mesmo direito para todos, a fim de que não nos percamos naquilo que nós mesmos criamos e ajudamos a prosperar, conquanto não se saiba se foi ou não uma grande ideia.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Sob as estrelas


Na ruazinha, uma infinidade de casas coloridas
Todas iguais, independente das cores sortidas
Um rapaz ali passava, e como era de se esperar
Às idênticas residências não se destinava a olhar

Todavia, certo dia uma delas, de súbito, o atraiu
Pois o outono passava, estando a caminho o frio
Um lar roxo o encantou: era belo, calmo e cálido
Tendo o efeito de uma aquarela num olhar pálido

Entretanto, pôs-se a meditar se sensato seria trocar
Uma miríade de cores por um monocromático lar,
A visão de um teto qualquer, pela do céu e seu luar

Sendo assim, resolveu mudar seu percurso: “desista”,
Foi o que disse a si mesmo, perdendo, então, de vista
A casinha que nem sequer chegou a visitar.


quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Sepultando a sinceridade


“Sobretudo, não acredite nos seus amigos, quando lhe pedirem que seja sincero com eles. Só anseiam que alguém os mantenha no bom conceito que fazem de si próprios, ao lhes fornecer uma certeza suplementar, que extrairão de sua promessa de sinceridade. Como poderia a sinceridade ser uma condição da amizade? O gosto pela verdade a qualquer preço é uma paixão que nada poupa e a que nada resiste. É um vício, às vezes um conforto, ou um egoísmo. Portanto, se o senhor se encontrar nesse caso, não hesite: prometa ser verdadeiro e minta o melhor que puder.”
Albert Camus


Vincent andava vagarosamente pelas gélidas ruas de sua cidade natal, o sobretudo que vestia ostentava flocos de neve enviados pelo céu, caminhava com ambas as mãos nas costas e absorto em pensamentos, quando, de repente, foi acometido por um indivíduo cuja ocupação era vender certos produtos em uma loja. Este lhe perguntou se não gostaria de adentrar o estabelecimento a fim de ver se não se sentia atraído por algum dos acessórios ali comercializados. Vincent declinou o convite, retorquindo que, se tivesse interesse nos produtos de tal comércio, entraria por conta própria no lugar, não necessitando ser chamado. O vendedor sentiu-se um tanto desgostoso ante a fala de Vincent e lhe respondeu que ele poderia ao menos olhar a loja, pois, se desconhecesse os produtos, não saberia se naquele recinto há algo que lhe interesse ou não. Vincent lhe disse placidamente que não fazia compras simplesmente por fazê-las, porque julgava tal atitude infundada. Outrossim, questionou o vendedor acerca de seus motivos para ficar chateando os transeuntes com seus convites para conhecer a loja em que trabalhava, visto que podia-se notar claramente que não passava por necessidades financeiras, sendo assim, por que aceitara tal trabalho? Concluiu afirmando que poucas pessoas podem dar-se o luxo de não se vender; todavia, quem desfruta de tal possibilidade e mesmo assim o faz só pode ser chamado de idiota. Vincent deu as costas ao furioso rapaz e portou-se de forma indiferente ante as imprecações proferidas pelo outro. O estabelecimento em questão era um dos muitos cuja finalidade é enriquecer mediante o empobrecimento alheio, cobrando preços exorbitantes de seus consumidores e os ludibriando por intermédio das formas de pagamento.
Ao longo de seu caminho, passou por uma residência deveras suntuosa e questionou-se acerca do fundamento de se despender enormes quantias em frivolidades, e à sua mente se encaminhou o seguinte pensamento de Oscar Wilde: "As pessoas sabem o preço de tudo, mas não sabem o valor de nada". Não soube concluir precisamente por que tal frase lhe evocou a figura daquelas velhas ricas que pregam a caridade, o desapego; porém, são incapazes de ao menos retirar suas onerosas joias enquanto nos entediam com seus moralismos descabidos. Abominava moralismos sobremaneira. Tais senhoras são como o felino que nega devorar os canários da família; no entanto, podem-se notar diversas penas em seu focinho constantemente. Rememorou o quão zangada ficou certa senhora quando lhe externou seu ponto de vista ante a disparidade entre as ações da caridosa mulher e o conteúdo de seus conselhos altruístas.
Enquanto caminhava, outra reminiscência lhe veio à mente, rememorou um antigo colega de trabalho que se julgava uma sumidade em compreender os demais, todavia seu método de compreensão não era a psicologia ou alguma ciência análoga, porquanto se utilizava da astrologia para analisar a alma alheia. Na época, Vincent não pôde deixar de lhe proferir tal sentença de Victor Hugo: "Vivemos em tempos de terrível confusão. Ignora-se o que se deve saber e sabe-se o que se deve ignorar”; entretanto, fora ele o julgado, o ente condenado ao longo de grande parte de sua vida. Seu confrade de profissão ficou deveras furioso com o ponto de vista de nosso protagonista, embora não dispusesse de argumentos para negar os fatos apresentados por Vincent de que, por exemplo, os fundamentos da astrologia ainda são os mesmos dados por Ptolomeu no século II d.C., ou de que novos planetas foram descobertos com o passar do tempo e a astrologia nunca notou a "ausência" dos mesmos na hora de formular ou comprovar suas teses. Porém, é notório que a grande maioria das pessoas sente um certo desconforto em ter que dar as costas a velhas crenças com as quais estão tão afeitas. Destarte, é preferível persistir no erro.
Vincent finalmente chegou ao seu lar, sentou-se defronte ao piano e pôs-se a tocar uma melancólica canção. Muitos elogiavam seus talentos como músico, e um número ainda maior lamentava-se por não dispor de tais dons, comentário este que enervava o fabuloso instrumentista, porque julgava uma baboseira atribuir ao divino ou ao destino a incapacidade das pessoas de dominar um  instrumento musical, esta que deveria ser atribuída à preguiça e à falta de afinco por parte dos mesmos indivíduos. Vincent lhes expunha sem receio tal ponto de vista, e, obviamente, tais seres ficavam insatisfeitos com seus comentários impróprios, porém Vincent pouco se importava. A noite foi caindo, e o piano, oscilando entre canções de alegria e de lamento. A solidão jamais poderia ser tão sublime.