segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
De antanho e atual
O calor dos dias estivais era bastante intenso; porém, os habitantes do reino de Godofredo I jamais se abstinham de suas vestes vastas e coloridas. Uma formosa jovem também ali residia, era dotada de belos cabelos castanhos, olhos azuis claros e se chamava Shanan, era uma moça deveras sorridente e sonhadora, que preferia despender suas horas em longos passeios em seu cavalo do que conviver com seus contemporâneos, cujos colóquios a entediavam constantemente.
Julgava um tanto infundadas as indumentárias adotadas por seus semelhantes, pois além de serem um tanto largas em demasia, o que considerava bastante incômodo, pois eram mais habitadas pelo vento do que pelos proprietários dos trajes, eram quentes demais, assaz impróprias para os dias cálidos com os quais estavam afeitos; entretanto, a diversidade de cores a agradava sobremaneira, somente achava que não condiziam com a forma das roupas.
Com o passar do tempo, sentiu algo nascer e principiar a se desenvolver poupo a pouco dentro de si mesma, na grama verde de sua imaginação. No início, destinou pouca atenção àquilo, seguindo sua vida normalmente. Porém, o pequeno ser de diminutas proporções encetou a crescer rapidamente em seu interior, fazendo com que a formosa dama percebesse o que ocorria em derredor de maneira distinta da que estava habituada.
Em uma de suas andanças vespertinas sobre seu cavalo, sentiu tamanho incômodo provir de suas peças de roupa, destarte, num átimo, resolveu despir-se das mesmas. Jamais havia tomado tal atitude e a sensação lhe foi incrivelmente aprazível. Acercou-se de um límpido riacho e pôde divisar suas formas nuas, sentiu-se tomada de tamanho enlevo ao contemplar-se que nem sequer apercebeu-se do passar das horas.
Com o cair da noite, decidiu retornar à sua vivenda, destituída das vestes que não mais a importunariam, porquanto sentia-se muito mais plena da forma como veio ao mundo, notou-se incapaz de compreender, a despeito dos incessantes esforços, por que os modos, os trajes, todas as coisas eram oferecidas como um presente logo após o nascimento. Pensou melhor, nem sequer eram concedidas, pois seu uso tornava-se compulsório, sem que houvesse possibilidades de escolha.
Mal retornara ao reino e brados de horror retumbaram em seus ouvidos, eram os campônios atônitos, consternados ante sua completa ausência de indumentária, supuseram que a haviam assaltado e incontinênti ofereceram-lhe novas peças a fim de que pudesse enfatiotar-se novamente; porém, o espanto redobrou ante o declinar feito pela jovem à proposta dos cidadãos, afiançou-lhes que ela mesma tomara tal decisão, ninguém a havia surrupiado nada, até mesmo inquiriu-lhes se não almejavam fazer o mesmo que ela. Sem demora, o rei Godofredo I fora chamado, porque somente a suma sabedoria seria capaz de decidir como proceder perante tal situação insólita. O próprio rei foi tomado de espanto e ordenou que encarcerassem a jovem celeremente.
A queda ocorreu de forma muito lépida, a desafortunada moça teve o paraíso comutado pelo inferno em instantes. Tudo se deu devido a um ínfimo ser em sua mente, que veio rastejando alertá-la sobre uma miríade de privações absurdas com as quais vinha convivendo, o rei e seu povo temendo que a consciência de Shanan se desenvolvesse, criando asas e atingindo limites inconcebíveis, optaram por aprisioná-la perenemente. Assim, a vida de todos permaneceu como era, dias cálidos, vestimentas de diversas colorações e a história sendo escrita.
domingo, 7 de fevereiro de 2010
Recordações recortadas
Sentou-se entediado no sofá, sua mente, ao contrário do corpo, pôs-se a vagar sem rumo certo, de forma análoga ao ente irracional que comumente se dirige aos cantos da cidade mais feios e desastrosos, seu pensamento locomoveu-se para suas inumeráveis fontes de infelicidade. Talvez não houvesse praças, nem agradáveis monumentos naquele ínfimo município.
Divisou a série de sonhos que acalentara em sua mocidade, eram-lhe belíssimos outrora; contudo, como lhe soavam horrendos nos dias contemporâneos. A beleza pode ser repulsiva diante de certos estados de espírito, visto que contrasta ardentemente com a fealdade na qual se está inserido. Entretanto, foi dado prosseguimento à viagem, vislumbrou a solidão, lembrou da perda de alguns de seus estimados familiares. Nunca dispôs de grandes amigos, pois não estava afeito a aceitar a opinião alheia.
Porém, possuía um companheiro, era um pequeno cachorro, que morava em sua residência fazia alguns anos. No limiar de sua relação, gerava-lhe muitos contentamentos o exíguo canino; estava sempre alegre e era bastante brincalhão. Ambos passeavam pelo parque ao entardecer ou ao despontar da aurora, tais andanças eram consideradas agradabilíssimas. Como já foi dito, todavia, provavelmente não havia mais parques em seu mundo interior, pois estes tornaram-se cemitérios, e as frondosas árvores, sepulcros, nos quais foram enterradas as poucas belas recordações, recortadas por ele próprio de sua memória.
Estaria o cãozinho também naquele sinistro local? Acredito que não, apenas os fantasmas de alguns fracassos habitavam aquele recinto. Eram poucos, pois houve poucas tentativas, sendo inconcebíveis derrotas sem batalhas, o mesmo se dá no que concerne aos êxitos. Nosso personagem não combatia muito amiúde, na verdade, sempre capitulava ao tédio e à desdita; depunha suas armas celeremente, sendo seus adversários inclementes ante inimigos inermes. Sim, podem-se ditar suas afrontas e narrá-las por inteiro em pouquíssimas linhas. Eis uma das razões por que este escrito não descreve seus feitos, de outra forma já estaria findado, fadado a jamais ser lido.
Com o decorrer do tempo, o pequeno canino cessou com as brincadeiras, passando a maior parte de seu tempo deitado em um dos cantos mais frescos da sala. Apenas erguia-se rapidamente quando tencionava solicitar comida a seu dono. A fome do animal equiparava-se à resignação do rapaz. Contudo, tal comportamento oriundo do cachorrinho partia o coração do homem, pois sentia saudades do caráter brincalhão do outro. Deduziu que foram pura hipocrisia os momentos que passaram juntos em épocas longínquas, porque seu bichinho de estimação apenas agia por interesses. Entretanto, no auge de sua mesquinharia, ansiou que a falsidade retornasse ao cãozinho, destarte esse não seria tão explícito em seu insaciável anseio de alimentar-se.
Alguns dias sucederam, e a porta da residência foi deixada aberta pelo indivíduo que ali vivia, poucos instantes de descuido foram suficiente para suscitar a fuga do animal, este que nunca mais retornou. Às boas lembranças que tiveram juntos foi destinado um jazigo dentro da imensa necrópole presente em seu espírito; porém, ao insucesso proporcionado pela recente escapulida foi concedido um espaço ao ar livre, a fim de que fosse visto sempre que a alma fosse observada.
sábado, 6 de fevereiro de 2010
Vendo-me
Há prazos aprazíveis
Mercadorias perecíveis
Vitrines vastas e vistosas
Tão convidativas e amistosas
Um imenso misto de superfluidades
A quem as adquire com dificuldades
Às expensas do essencial
Às custas das próprias costas
Infelizes atendentes empregados
A fim de que pareçam culpados
Pelo vagar; pelo tempo surrupiar
Por fim, almeja-se uma contenda
Questiono-me se é compra ou venda
Sendo os olhos vendados a única certeza
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
Tédio intenso
Qual seria a função do esquecimento,
senão retornos atrás de seu adiamento.
Versos que se desprovidos de veracidade
Inegavelmente são dotados de saudade
Madrugada deveras silente e vagarosa
Quando aprazível é dama assaz formosa
Contudo, quando os notívagos enfastia
É notada como decrépita, horrenda e fria
Se um decreto pudesse ser promulgado
Banindo o tédio, privando-nos deste fardo
Por nenhum ser sensato seria revogado
Contudo para desterrar a atroz monotonia
Necessária, aqui, seria a sua companhia
Fazendo soar a campainha, findando meu exílio.
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
Contemplando o tempo
“Quanta tolice há no homem que se arrepende e lamenta por não ter aproveitado oportunidades passadas, as quais poderiam ter-lhe assegurado esta ou aquela felicidade ou prazer! O que resta desses agora? Apenas o fantasma de uma lembrança! E é o mesmo com tudo aquilo que faz parte de nossa sorte. De modo que a forma do tempo em si, e tudo quanto é baseado nisso, é um modo claro de provar a nós a vacuidade de todos deleites terrenos” Arthur Schopenhauer – O vazio da existência
É notória a inexistência de deleites indeléveis, pois independente da intensidade de um prazer ou de uma alegria, com o andar da carruagem do tempo, o mesmo tornar-se-á diminuto, podendo até mesmo perder-se no labirinto florestal que é a nossa memória, sendo devorado pelo indômito Esquecimento. Decerto não é infundado lamentar o fato de algo tão sublime como a alegria ser dotada de desmesurada efemeridade. Contudo, lamúrias não são responsáveis por mudança nenhuma, ademais nada valem por si sós.
Schopenhauer afirma que apenas o presente existe, porquanto o que já se passou não é mais real. Porém, tudo tende a tornar-se nada, no máximo, com certa dose de otimismo, lembrança ou esquecimento. Nas palavras do filósofo: "O que foi não mais existe; existe exatamente tão pouco quanto aquilo que nunca foi. Mas tudo que existe, no próximo momento, já foi. Consequentemente, algo pertence ao presente, independentemente de quão fútil possa ser, é superior a algo importante pertencente ao passado; isso porque o primeiro é uma realidade, e está para o último como algo está para nada.". Porém, afirma que nenhum esforço sério merece ser destinado ao que, em poucas voltas do relógio, deixará de ser uma realidade.
Poder-se-ia dizer, por conseguinte, que não há fundamento em se viver, porque nossas atitudes brevemente tornar-se-ão passado, ou seja, deixarão de existir instantes após serem perpetradas. Entretanto, a sentença acima merece ser contestada sob diversos aspectos. Por exemplo, se um excelente livro for lido em uma noite qualquer, mudará a vida do leitor, as formas de pensar presentes no escrito acompanharão quem as leu por um indeterminado período, quiçá perene, proporcionando que o indivíduo aja de forma diferente devido ao contato com tais pontos de vista, que outrora lhe eram desconhecidos. O mesmo se dá com um colóquio produtivo ou com a consolidação de uma amizade, pois embora as recordações das felicidades não passem de sombras, a estima mútua entre os confrades propiciada pelos diálogos permanecerá.
Portanto, pode-se pensar que é bastante simples observar os empreendimentos que merecem receber nosso devido afinco e os que devem ser ignorados, pois nada nos acrescentarão e cuja essência nem sequer existe. Porém cada ação que se faz pode modificar uma vida inteira. Destarte, mesmo ao se estar fazendo algo mesquinho, podemos conquistar resultados formidáveis, como conhecer certa pessoa a qual será responsável por mudar nosso trajeto existencial drasticamente.
Em suma, se somos incapazes de prever casualidades, estas que se dão a todo o momento, devemos, indubitavelmente, apelar ao bom senso na hora de agir, visando dispor de fontes prazerosas, que sejam concomitantemente capazes de nos elevar além das mandíbulas nefastas do tempo, fazendo com que nos sorriam ao invés de pelas mesmas sermos extirpados.