terça-feira, 16 de março de 2010

Hipocrisia Impera


"Ser desmascarado é perder, mas desmascarar-se é vencer"
Victor hugo

Há quanta dissimulação em nosso tempo? Quantas faces sorrindo enquanto as almas choram? A resposta abrange muitas pessoas, um culpado e uma miríade de comparsas. A culpa, decerto, recai sobre a sociedade em que vivemos, pois esta é constituída por um conjunto de regras, uma infinidade de privações descabidas, das quais os indivíduos são incapazes de se abster, destarte as põem em prática sorrateiramente, como se estivessem perpetrando um crime, enquanto a alegria do empreendimento divide espaço com o receio, com a cautela, fica-se na espreita visando se esquivar dos moralistas praticamente onipresentes, cuja alegria, que não necessita ser cerceada, consiste em frustrar prazeres alheios inócuos.

O desenvolvimento humano é dado por partes, pensadores atuais apoiam-se em ideias antigas e são capazes de aprimorá-las, por exemplo, é infundado almejar que a medicina dos tempos de antanho fosse idêntica ao que é hoje, porquanto o conhecimento, como um infante, necessita rastejar antes de ser capaz de dar seus primeiros e vacilantes passos. Outrossim, é desarrazoado desconsiderar a época em que os fatos ocorrem, a título de ilustração, os avanços científicos de alguns séculos atrás sofreram drásticas limitações decorrentes da inquisição, porque desejava-se que o pensamento voltasse a engatinhar e assim permanecesse ao longo de toda perenidade.

Portanto, julgo não ser insensato comparar aos inquisidores de outrora os indivíduos que despendem seu tempo criticando e visando podar pequenos e singelos contentamentos de outrem, os quais consideram errôneos, ao invés de preocuparem-se com eles próprios. Da mesma forma, ainda podemos nos deparar com uma espécie de feudalismo, na qual desditosos seres comutam sua vida, seu tempo em trabalhos incessantes e estafantes, cujo fruto se resume em um módico estipêndio, análogo a uma espórtula, que é empregado no pagamento mensal de suas moradias e com o remanescente do dinheiro, alimentam-se parcamente.

Por fim resta ao indivíduo ser hipócrita consigo mesmo ou com o próximo, pois obriga-se a acreditar em algo que ele próprio julga desprovido de fundamento ou finge crer no que apenas pode definir como baboseira. Esses são os meios de se obter um bom emprego e ser benquisto pela grande maioria. Entretanto, muitos, equivocadamente, dirigem suas críticas meramente aos jovens, pela insensatez, pelos pensamentos tacanhos oriundos de outras mentes, não de suas próprias; contudo, os adultos mesquinhos e destituídos de egoísmo, visto que tencionam propagar sua infelicidade aos outros, nada mais são do que a maioria dos adolescentes de um passado nada longínquo.

Os moralistas, no final das contas, acabam sendo os maiores hipócritas existentes, porque almejam o que renegam e usam-se de subterfúgios para obtê-lo, como certos religiosos contemporâneos que exclusivamente seguem os ensinamentos de Cristo que lhes aprazem; o mirífico "não julgais para não seres julgado" é visto como dispensável, portanto simplesmente o desconsideram, assim como as passagens que admoestam o indivíduo a oferecer a outra face se lhe baterem em uma delas ou a doar seus bens aos menos afortunados; porém, talvez eu esteja me contradizendo ao chamá-los de hipócritas, pois não estão o sendo de fato, contudo mostrando categoricamente que apenas se utilizam da religião pois esta lhes convém, ademais com os louváveis progressos realizados pela ciência, creio que não se privarão de desfrutar de uma vida terrena na qual inexistam mortes naturais, afinal, o reino dos céus pode esperar.


sexta-feira, 5 de março de 2010

Evolução dos pensamentos


Obsoletas tornam-se verdades absolutas

Incertezas em mentes outrora resolutas

Uma permuta natural como o engatinhar

Se transformando lentamente em andar


Diversos ditames de antanho, no presente,

Divergem do que a razão tornou vigente

Contudo, inexistiriam imensos progressos

Se jamais houvesse os atinos pregressos


Portanto, um deveras aclamado pensador

Só chegou a sê-lo, pois também era leitor

Tendo como trilha os passos de outrem


Passíveis de serem impiedosamente refutados

Assim como percebidos como grandiosos aliados

Sendo aperfeiçoados e futuramente questionados

segunda-feira, 1 de março de 2010

Diálogo insólito



George: Meu bom amigo, logo completarei 25 anos de casado, o que me diz a respeito?
Herm: Pelo que sei, você é um marido fidelíssimo, assim sendo, não vejo muito fundamento em um relacionamento único, o qual acaba por limitar os envolvidos sobremaneira.
George: Você e sua sinceridade desmesurada, meu caro, não me admira que eu seja um dos seus poucos amigos. Porém, permita-me inquiri-lo por que julga tal espécie de união tão descabida?
Herm: Pois o desenvolvimento do ser reside no contato direto com o máximo de experiências possíveis, destarte, vejo, por exemplo, a dedicação a um único trabalho como uma maneira de privar os indivíduos de alçar voo, o mesmo se dá com sua espécie de relacionamento.
George: Neste ponto, nossas opiniões divergem imensamente, pois acho sublime o fato de se dedicar uma enorme parcela de sua vida a uma única pessoa, recebendo o afeto de volta em idênticas proporções. Acerca dos trabalhos distintos, permita me indagá-lo de onde proveio tal pensamento?
Herm: Surgiu da leitura de uma obra responsável por significativa mudança em minha forma de pensar, o livro em questão é A ilha, de Aldous Huxley, no qual pelo menos em duas situações fica clara a utilidade de uma ampliação de experiências. A primeira se dá em relação à família, pois quando os indivíduos não estão contentes em suas vivendas ou julgam-se deveras diferentes de seus progenitores, podem ir morar certos períodos com outras pessoas, como se houvesse uma imensa família adicional, mas nada genético. O mesmo se dá com os pais, que recebem um outro "filho", na saída do rebento genuíno. A troca em questão não dura muito tempo, mas produz resultados espantosos para ambos e pode ser posta em prática diversas vezes. O outro ponto concerne ao trabalho como já lhe disse, havendo o contato com diversos contextos, ampliando os horizontes e as capacidades das pessoas.
Creio que o mesmo se suceda com os relacionamentos, tome como referência o romance de Sartre e Simone de beauvoir, o filósofo afiançava que ela era seu amor necessário; contudo, ambos desfrutavam de amores contingentes.
George: Meu caro, não seriam ideias incomuns apenas visando discordar dos termos vigentes?
Pois se um indivíduo nasceu em uma deterinada família é porque essa é a que com ele mais condiz. Quanto ao trabalho, o mesmo se dá; o indivíduo dedicar-se-á àquilo que tem mais aptidão. Quanto ao amor, nem sequer preciso externar minha opinião, porquanto você já a conhece bem.
Herm: Meu caro, você se equipara ao sábio Pangloss de Voltaire. Enquanto a ilha de Pala, presente na obra de Huxley, assemelha-se a Eldorado, um recanto aconchegante presente apenas nas mentes humanas.
George: É óbvio que não acho que vivemos no melhor dos mundos possíveis; entretanto, as mudanças que você propõe são demasiado radicais. Posso até considerar parte delas como um mero pretexto para a devassidão. Felizmente podemos ser francos um com o outro ao extremo, sem que nos zanguemos mutuamente.
Herm: Decerto, meu estimado companhero, pois se dispomos de alguma virtude, essa consiste em não nos enfurecermos com a opinião alheia; como disse Voltaire: "Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las". Ao menos neste princípio nós concordamos indubitavelmente...