domingo, 25 de abril de 2010

Escolhas (parte primeira)


O silêncio imperou por alguns breves instantes e, espantosamente, pôde ser sentido. Há quanto tempo o alarido não lhe dava uma trégua, receou que jamais cessaria de o importunar e se o fizesse, em virtude do hábito, não haveria de notar. Contudo, equivocou-se, felizmente, o jovem que dava morada aos pensamentos em questão.

A ausência de barulhos insípidos foi desfrutada com inefável satisfação por Nikolau, um rapaz de 19 anos, pois imergiu em suas leituras como jamais fora possível, visto que seus familiares, mormente seu pai, não se abstinham de azucriná-lo com colóquios desinteressantes e com causos descabidos, ademais, equiparavam-se ao rapaz tímido que jamais conseguia permanecer em uma sala, caso na mesma houvesse apenas a companhia de uma bela garota, porquanto o nervosismo despontava de súbito, fazendo com que se sentisse demasiado desconfortável. No atinente aos pais, a beldade consistia no pensamento próprio, este que é motivo dos mais atrozes receios, destarte optavam por falar incessantemente, as cordas vocais eram seus intrépidos sentinelas, responsáveis por evitar quaisquer invasores indesejáveis.

Assim como todo trabalhador precisa de certo descanso, embora haja controvérsias se alguns patrões forem inquiridos a respeito, era necessário ocorrer uma troca de turno, portanto os falatórios perenes eram comutados pelo ouvir, pois havia inúmeros programas de televisão e músicas que produziam o mesmo efeito das conversas infindáveis, logo foram admitidos sem receios acerca de possíveis exonerações.

Nikolau iria tornar-se advogado, porque assim desejavam seus genitores. Seu pai acalentou esse sonho para ele próprio; entretanto, como não obteve êxito em sua realização, optou por se dar uma segunda chance, agora, a cargo do filho. Os rebentos não são algo totalmente inútil, porquanto podem funcionar como um enfeite, basta que lhes façamos aprender algo de admirável e teremos um mirífico objeto de ostentação responsável pela suculenta inveja de nossos vizinhos. É o mínimo que se pode exigir como gratidão, afinal como olvidar o tempo que destinamos a seu desenvolvimento, os despertares abruptos no meio da noite e, sobretudo, os dispêndios que, mesmo a contragosto, fomos obrigados a fazer? Inegavelmente, é uma restituição bastante correta. Eis alguns pensamentos do pai de Nikolau, não os ousem atribuir a mim, que meramente narro esta história.

Há um fato que merece ser mencionado, conquanto não seja visto como muito relevante: O jovem abominava o destino a ele atribuído - pois engana-se quem pensa que apenas os deuses são capazes de traçar rumos a existências alheias - , detestava a profissão de advogado com todas as suas forças. Na verdade, Nikolau sentia-se deveras atraído pelas artes e pode-se supor, embora sem um pleno grau de certeza, que a aversão ao direito fosse oriunda da obrigação ao rapaz imposta, não à advocacia em si.

O jovem vivia em uma boa casa, em uma esquina entre a fartura e a penúria, deste modo, obtinha auxílios financeiros para a compra de seus livros e instrumentos musicais, portanto temia tal vivenda abandonar, pois a liberdade proveniente dessa atitude abarcaria determinados privilégios; em contrapartida, conceder-lhe-ia privações outrora inexistentes. Para o rapaz, não era nada simples tomar uma decisão, quiçá estivesse ciente de que bastava avaliar em qual contexto sentir-se-ia mais contente consigo mesmo; mais livre, em seu modo de compreender a alegria. Todavia, embora na teoria denote ser incrivelmente fácil partir para a prática, o mesmo não ocorre em inúmeras situações, como no caso do aprendiz que compreendeu o que deve executar no piano, porém é incapaz de fazê-lo com o instrumento em mãos, a não ser que pratique sobremaneira.

Nikolau podia se considerar bastante hábil no instrumento de cordas há pouco mencionado, a despeito de sua costumeira modéstia, mas no que tangia a tomar decisões drásticas, podia se dizer que dispunha de ínfimos rudimentos práticos, eis o que tornava tão difícil para o rapaz decidir-se como proceder. Porém, tinha consciência de que não podia entregar-se à resignação, era-lhe inconcebível se abandonar gradativamente a fim de se tornar o que os outros almejavam. Sua vida era norteada por um lema: "Os mergulhos retidos geram cãibras", este que fora extraído de um escrito de Albert Camus. Portanto o atemorizava a perspectiva do indivíduo que trocava seus sonhos por uma esmola decorrente de um trabalho estafante, quando o mesmo dispunha de outras possibilidades. Via com assombro a jovem a cujo relacionamento destituído de sentido não se dignava a dar um fim, talvez esteja esperando que o companheiro a peça em casamento, para que assinta e despeça-se de uma indispensável parcela de sua liberdade.

Após muito refletir a respeito de sua situação, Nikolau chegou a uma decisão, esperava com a mesma conciliar da melhor forma possível as inestimáveis liberdades das quais se privaria caso saísse de casa ou na mesma permanecesse, porém sob a incumbência de tornar-se um conceituado advogado...

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