sábado, 28 de fevereiro de 2009

Ditando ditosos


Aparenta-nos ser muito simples diagnosticar precisamente se outrem é ditoso ou infeliz, sendo que para tanto usamos nós mesmos como molde, se alguém não dispõe do que nos é essencial, tal pessoa vive imersa em infindáveis tristezas; contudo, se algo que nos é imprescindível está presente na vida de determinado indivíduo, esse tem tudo para se considerar o mais afortunado entre os demais não possuidores de tal preciosidade.

Tal hipótese é tão correta como retirar um peixe de água salgada e pô-lo em água doce, pois esta nos agrada mais, logo o tornará mais feliz. Porque da mesma forma que é comum se adorar a intensa claridade do sol, é corriqueiro nos depararmos com quem se sinta mais fascinado pela sutil luz do luar, nem por isso um sendo melhor ou mais contente que o outro. 

Portanto nada é mais infeliz do que julgar outrem desditoso por não se alimentar do que nos gera alegria; contudo, uma fonte de felicidade é praticamente vista como unânime: a amizade, pois ao alegrarmos um amigo já nos sentimos incrivelmente contentes, e tal faceirice é tão intensa que como disse Victor Hugo: “A alegria que inspiramos tem de encantador o fato de, longe de enfraquecer como qualquer reflexo, voltar para nós mais radiante”.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Descaso I


Levantou-se cedo, como o faz costumeiramente, vestiu-se de forma vagarosa, pondo seu sobretudo preto pois o inverno estava se acercando a passos céleres, era um homem de cerca de 40 anos, embora alguns cabelos grisalhos já estivessem contrastando com os demais fios claros, seu nome é Victor. Era o que podemos chamar de cético racional, não cria nem em bem, nem e mal, pois alegava que as pessoas não nasciam más, e se perversas acabassem virando era mediante as ações de outrem, como o papel se torna cinzas em contato com o fogo, como está impresso na obra Os miseráveis: "Não há ervas más, nem homens maus, mas sim maus cultivadores". Não era como certos conservadores que se apegavam a certezas absolutas, pois ia para o lado mais provável de ser verdadeiro, porém sem desconsiderar a possibilidade de cometer enganos. Não cria nem em destino nem em acaso, achava um disparate atribuir suas conquistas e fracassos a algo superior a ele, não gostava da perspectiva de ter toda sua trajetória escrita em algum grande livro intitulado Destino e ser mero personagem posto em uma trilha da qual não podia sair, somente seguir em frente até o final. Quanto ao acaso, sua visão não era menos animosa, porque julgava infundado que o mérito de suas ascensões e quedas fosse atribuído à sorte, a estar no lugar certo ou no local errado, Assombrava-lhe a idéia de ter seu emprego de jornalista somente por ter decidido sair de casa em um dia chuvoso há 17 anos, de ter perdido seu trem e ter por fim encontrado e auxiliado um velho senhor que mais tarde descobriria ser o editor de um grande jornal. Difícil descobrir qual das duas perspectivas há pouco ditas o atemorizava mais, talvez logo saibamos. Chegou ao local onde combinara de se encontrar com dois grandes amigos que não via muito amiúde; todavia, bastante estimados por ele.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Alegrias da ascensão


Muitas vezes achamos a vida muito frustrante, pois em dados momentos julgamos não haver nada de interessante para se fazer, sem sequer nos darmos conta da quantidade de assuntos que desconhecemos, visto que se tudo conhecêssemos, a frustração seria ainda maior do que é, suplantaria toda a amplitude de conhecimento da qual disporíamos, porque um dos grandes prazeres é alcançar metas intermediárias, porquanto o regozijo de metas definitivas tende a ser efêmero. Porque como disse Oscar Wilde: "Há duas tragédias na vida: uma a de não satisfazermos os nossos desejos, a outra a de os satisfazermos", portanto, as maiores alegrias residem nas coisas "infindáveis", acerca das quais é impossível de se aprender tudo em apenas uma existência, como a música, a literatura, a escrita, etc. Pois ficamos deveras felizes quando aprendemos uma nova canção, por exemplo, e quando enjoamos de tanto tocá-la, haverá mais uma miríade de canções a ser aprendidas nos mais variados graus de dificuldade. Tal hipótese se confirma na forma como enjoamos daquilo julgado como incrível; contudo, que vai perdendo a majestosidade com a constante repetição, assim como uma canção ao ser ouvida milhares de vezes, algum alimento ao ser consumido com desmedida freqüência, além de uma infinidade de coisas. Destarte, as verdadeiras alegrias encontram-se naquilo que não pode ser alcançado plenamente, porquanto a felicidade não está no topo da montanha, porém em sua escalada.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Confusão de valores


Oscar Wilde disse que "o mais necessário é o supérfluo"; o necessário, porém, parece ser visto como supérfluo, pois há músicas, internet, programas de tv gratuitamente, alguns podem alegar que estes são gratuitos, contudo é preciso comprar o "instrumento" para executá-los, entretanto o essencial como educação, hospital, comida não é do alcance de todos, embora se possua um fogão e uma geladeira. Dá mesma forma é ilusório o fato de se possuir uma liberdade plena, porque como disse Russell essa é divida em física e social, e muitos sequer dispondo da primeira, onde alguns dos principais requisitos são saúde e alimentação, vêem a segunda como uma barreira deveras intransponível, ou dela sequer se apercebem (um dos dois extremos), devido a essa miríade de normas morais impostas em todas as sociedades. A liberdade deve figurar entre as necessidades básicas, pois está além do nosso alcance; todavia, o supérfluo só é imprescindível quando possuímos o essencial.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Comédia não risível: real


Bernardo era um indivíduo desprovido de individualidade, cria no que todos acreditavam, sua indumentária era oriunda do que a novela ou as revistas indicavam como ideal, ademais se animava quando o horóscopo lhe dizia algo favorável. Acalentava o sonho de ser ator, embora já o fosse e sequer soubesse; seguia à risca os papéis que seus diretores lhe entregavam, acreditava cegamente no que seu personagem devia acreditar, segundo eventuais roteiros (tais crenças que curiosamente eram envoltas em mistificações e irracionalidades), vestia-se a contento da grande comédia intitulada vida real, e tudo isso para sequer receber um mísero aplauso de alguém que não fosse ator como ele, pelo menos nada de aplausos genuínos. Fazia papéis diversos, mas havia algo em comum entre seus personagens, todos não tinham o hábito de questionar, felizmente, estes tinham outro traço em comum: não se olharem no espelho, porque se Bernardo o fizesse, iria tomar um enorme susto com aquela miríade de máscaras sobre seu irreconhecível rosto; contudo, tinha predileção por observar os outros do que a si próprio, jamais baixava suas cortinas. Seu desfecho transformou a sua comédia em tragédia: tanto empenho para nenhum reconhecimento, aplauso ou final feliz.