O destino era o banco, o acaso deu-se lá mesmo. Tudo bem, mas não de forma tão sucinta, pois onde há brevidade em demasia, também há incontáveis incompreensões. Mais uma vez, agora, de mãos dadas com o vagar, deixemos que os pressurosos corram na frente, desatentos às maravilhas do percurso:
O calor despontou com a chegada do verão, a ponto de arrefecer o prazer de uma caminhada pelas ruas; contudo, há sempre exceções. Hoje, o sol acarinhava ao invés de agredir. O rapaz estava em casa, convivendo com tardes imensas, destarte decidiu-se por comprar um livro, a fim de entreter e instruir a si mesmo. Já tinha em mente a obra almejada, bastando apenas ir à única livraria da cidade, ver se o título em questão encontrava-se disponível. Todavia, não dispunha de dinheiro em seu lar, portanto era necessário passar primeiro no banco e, só depois, dirigir-se à livraria.
Nada houve de interessante no trajeto, então, podemos omiti-lo. O banco encontrava-se pouco movimentado, apenas uma dúzia de pessoas por ali. O rapaz logo encontrou uma máquina disponível, sacando, na mesma, a quantia almejada para arcar com suas despesas literárias. Contudo, a despeito de sua barba já um tanto crescida e de seus cabelos desgrenhados, uma senhora lhe pediu ajuda, esta que, devido a seus ínfimos conhecimentos naquele ofício, soou-lhe inexequível, sendo incapaz de atendê-la. Num átimo, sucedeu um novo pedido de auxílio: um senhor, alegando não ter a mais exígua habilidade com aquelas máquinas modernas, indagou-lhe se não veria o saldo bancário para ele. O rapaz anuiu ao pedido, afinal, nada lhe custava. Pegou o cartão do velho homem e o pôs na máquina. Havia uma boa quantia depositada, cerca de dois mil reais. Perguntou ao rapaz se não retiraria para ele mil reais. O rapaz consentiu novamente, retirando o dinheiro e o entregando juntamente com o cartão ao amigável e agradecido senhor.
Saiu do recinto e dirigiu-se à livraria. Chegando lá, divisou a obra almejada: Os trabalhadores do mar, de Victor Hugo. Pagou pela mesma e rumou para a sua residência. No caminho de volta, veio-lhe à mente a ideia do tamanho absurdo por parte do homem dentro do banco, este que se constituía em confiar em um estranho, deixá-lo manejar seu cartão, mostrando-lhe sua senha bancária a fim de efetuar com êxito as operações por ele solicitadas. Essa ideia o jovem rapaz recebeu desde cedo - que não devia confiar em estranhos -, porém, hoje, pôde julgá-la um enorme despautério, não a ideia em si, mas o fato de não podermos confiar na honestidade de nossos próprios semelhantes, sermos incapazes de pedir o mínimo auxílio em um ambiente onde a perfídia e a ambição imperam. Reitero: felizmente, existem exceções! O rapaz bradou em pensamento: "não preciso de um céu para ser bom". Pode se julgar um ato de vaidade tal pensamento, talvez apenas de indignação; todavia, creio que pouco lhe importe o julgamento que farão ou se abster-se-ão de fazê-lo.
Pôde extirpar de si um pensamento mesquinho - de que ninguém deve confiar em ninguém, pois todos são trapaceiros-. Entretanto, é notório que preconceitos e superstições oriundas desde o nosso berço têm maior dificuldade em pegar no sono, algumas jamais adormecem, mantêm seus olhos bem abertos a fim de vigorar a todo instante. Felizmente, há exceções.