domingo, 22 de novembro de 2009

Existência simbólica


É imensurável a quantidade de elementos meramente simbólicos ao nosso redor; porém, damos-lhes desmesurado valor. Um exemplo básico e deveras relevante é o dinheiro, a cuja obtenção uma miríade de vidas é sacrificada, pode-se adaptar a fala de Monstesquieu aos tempos contemporâneos: "Não há nada de tão extravagante como fazer perecer um número incontável de homens para tirar do fundo da terra ouro e prata; esses metais, em si mesmos totalmente inúteis, e que só são riquezas porque foram escolhidos para serem símbolos". Há um interessante apólogo de Esopo, no qual uma galinha encontra um preciosíssimo diamante; o qual, entretanto, de nada lhe serve, destarte a ave profere que preferia um punhado de alimento a tal "preciosidade".

Dando continuidade, há um exemplo mais patente do que a autoridade? Esta que pode ser representada por uma farda, por um título, etc. Entretanto, como disse um formidável autor, cujo nome infelizmente olvidei, um policial pode agredir a própria esposa e mesmo assim prender os outros indivíduos quando achar seus atos em desacordo com o permitido, da mesma forma, um médico pode ser viciado em cocaína e receitar medicamentos a uma infinidade de pacientes. Acabamos julgando exímios tais seres unicamente por suas marcas de autoridade, marcas simbólicas. Todavia, de nada servem realmente tais indícios, porque como afirmou Erasmo de Rotterdam: “Não falta quem faça pintar leões, águias, touros e leopardos em seus brasões, mas só possui a verdadeira nobreza quem pode esculpir suas insígnias com tantos emblemas quantas as artes liberais que cultivou".

No final das contas, acabamos nos acostumando a supervalorizar o que em si mesmo não significa nada, não passando de inutilidades ou de inocuidades, como promessas e juramentos*, que em inúmeras ocasiões são desfeitos, em contrapartida são mantidos até o fim em outras situações, gerando imensos desgostos a seus fiéis executores; também podem ser inofensivos, decerto. Um caso cotidiano é ir ao cemitério no dia de finados, pôr flores defronte a onde jazem os restos de nossos entes queridos, não sou contrário ao ato de rememorar pessoas amadas, que não mais estão vivas, entretanto seria mais eficaz olhar algumas fotografias nossas e de nossos familiares juntos com quem já se foi e de quem estaríamos recordando, ademais é tão agradável ouvir causos inusitados acerca de tais pessoas que tanto estimamos, histórias que desconhecíamos ou das quais nem sequer nos lembrávamos. Do contrário, preferem-se fazer algumas orações ante o sepulcro, estas que para mim nada significam.

Há pouco tempo, participaram-me que em um velório de um pai de família, os filhos e a esposa do mesmo nem sequer beijaram o falecido antes de o caixão ser fechado. Tal fato me foi noticiado como sendo horrendo, uma extrema falta de respeito ante quem se foi. Porém, o que representaria um ósculo a quem nem mesmo poderia senti-lo? Não seria muito mais satisfatório se lhe destinassem pensamentos carinhosos, se nutrissem de genuíno afeto lembranças concernetes a ele e com carinho mantidas? Eis um derradeiro exemplo de atitudes simbólicas, este retratado na obra Dicionário filosófico de Voltaire: o batismo representa a purificação, assim sendo, outrora, podiam-se cometer as maiores atrocidades, bastando a cerimônia de batismo para livrar o homem de seus pecados.

Podemos nos deparar com casos inócuos, danosos e, até mesmo agradáveis*de objetos ou ações com valor simbólico, mas há um grande equívoco em não se aperceber de tais características não reais, pois alguns casos podem ser extremamente maléficos, usados visando prejudicar os demais a fim de elevar seus utilizadores; tais elevações que, todavia, são na grande maioria das vezes unicamente simbólicas.

*Se, na obra Esaú e Jacó, de Machado de assis, os dois irmãos tivessem cumprido a promessa feita ante o jazigo de Flora ou o juramento feito a sua mãe, em seu leito de morte, teriam sido extremamente infelizes.

*Um caso útil é a forma como as vacas, não somente elas, são vistas pelos hindus, assim sendo, tais animais são incrivelmente bem tratados. Em contrapartida, há as castas na Índia, que julgo infundadas e execráveis.

Um comentário:

Bazófias e Discrepâncias de um certo diverso disse...

Cara, se a gente observar quantos símbolos fazem parte do nosso cotidiano, nós piramos... imaginando os objetos e todo o esforço histórico que foi realizado para que uma cadeira, um remédio chegassem ao que são hoje... nesse sentido, vale ler um pouco de Freud, Bourdieu, Marx, Marshall Sahllins, etc.