“Um organismo vivo dispõe da capacidade de se adaptar rapidamente, habituar-se e acomodar-se a qualquer atmosfera, senão o homem deveria sentir a cada momento que fundo irracional têm às vezes as suas atividades racionais e quão pouca verdade há em atividades tão sensatas e terríveis pelos seus resultados”
Tchekhov
Como presidiários, será que não somos nada além de números? Entes sem rostos e sem nenhum pensamento próprio? Em resumo, indivíduos sem identidade individual. Pode parecer atemorizante tal perspectiva a quem julga essencial haver um quê de beleza e conveniência na verdade, como disse Tchekhov: “O remédio deve ser doce; a verdade, bela... E essa fantasmagoria o homem assumiu desde os tempos de Adão... De resto... Quem sabe tudo isso é natural e deve ser assim mesmo... Não são poucas na natureza as fraudes e as ilusões úteis...”.
Decerto, nos acostumamos a uma série de coisas infundadas, pois quem não vê com espanto o fato de um indivíduo já nascer fadado à miséria caso seja pertencente a uma das castas mais baixas na Índia, ou qual ser humano americano ou europeu, por exemplo, não é tomado de imensa aversão à forma como as mulheres afegãs são tratadas. Tudo isso, dizem, são questões culturais; porém, estas têm por função comutar a identidade individual por uma identidade coletiva. E se alguém resolve se distanciar de tais convenções é visto como insano e tentam isolá-lo ou até mesmo exterminá-lo. Pense em uma mulher afegã que resolvesse se revoltar contra todos aqueles costumes que lhe soam descabidos, ela não teria força alguma para lutar sozinha e seria vista como doida, quando, na verdade, seria a única correta. Porém, como ironizou Bertrand Russell, a loucura individual é vista como um disparate, enquanto a loucura coletiva é aceitável e não deve ser questionada.
Portanto para que haja mudanças, não se devem utilizar formas que visam gerar o caos unicamente, pois ocorreria o mesmo dito acima, tomemos outro exemplo, se no ápice da escravidão, um servo julgasse aquilo tudo infundado e resolvesse ir embora e levar todos que quisessem ir em sua companhia, este sofreria consequências atrozes por parte de seu senhor em decorrência de tal atitude não condizente com a mentalidade da época, poderia até sofrer humilhações como as argolas no pescoço de fugitivos das minas de carvão. Destarte, devemos procurar mudar a mentalidade dos demais ante tais absurdos, porquanto foi dessa forma que houve mudanças em relação à escravatura. Contudo, é correto afirmar que em determinadas culturas haverá punições mais árduas, enquanto em outras, estas serão mais brandas.
Dando continuidade, é relevante citar novamente Russell, pois este ironizou dizendo que parece que o pecado é geográfico. Tal sentença é incontestável, rimos uns da cultura dos outros, enquanto todas são um disparate, pois não pensamos em suas validades, apenas agimos cegamente de acordo com nossas identidades coletivas. Tomemos como exemplo Mersault, o protagonista de O estrangeiro, grande obra de Camus, que foi julgado como culpado pela sociedade pelo fato de ser diferente da grande maioria, por não trivializar seus sentimentos, não dizer que amava quando não o fazia realmente, e por não chorar com a morte de sua mãe, como é lei em nossa sociedade, houve o fato de assassinar um árabe, mas este ficou em segunda instância, sem a mesma relevância do crime anterior.
Concluindo, o indivíduo só poderá pensar e agir por si mesmo quando conseguir se livrar de uma infinidade de amarras que lhe puseram desde o seu nascimento, ademais, deve-se notar o enorme abismo existente entre as convicções das pessoas e um modo de agir concernente às mesmas em diversos contextos sociais, pois tais atitudes relativas à identidade individual vão de encontro à identidade coletiva vigente em nossa sociedade. Porém, não se deve procurar agir em conformidade com os ideais alheios, simplesmente por esses estarem em alta na contemporaneidade, porque como disse Russell: “Não tenhas inveja daqueles que vivem num paraíso dos tolos, pois apenas um tolo o consideraria um paraíso.”