quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O conto da ave aventureira




Era um inverno feroz, e muitos animais haviam se mandado da gélida floresta para áreas mais aquecidas, onde o sol fosse capaz de forni-los de seu aprazível calor. Uma bela ave recusou-se a fazer tal viagem com as demais, visto que sua bela e longa cauda a impossibilitava de voar. Outros pássaros se ofereceram parar cortar sua cauda, assim poderia locomover-se livremente pelos céus nebulosos, que tornar-se-iam claros gradativamente, conforme o bater de asas. Porém, a formosa ave declinou o convite, dizendo-lhes que os veria no ano vindouro. Seus companheiros se foram, levando consigo belas canções e companhias agradabilíssimas.

Os dias foram passando com muito vagar, imperava o silêncio e a bela ave nada fazia, afora observar extasiada seu belíssimo adorno corporal. As plumas balançavam lentamente com a brisa, parecendo abranger todas as mais formidáveis cores. Ora brilhavam em tons mistos de roxo e azul, em outros momentos, era o vermelho e o verde a prevalecer. O cuidado com tais penas era tremendo, não as deixava entrar em contato com a água da chuva, porque esta almejava arruiná-las devido a sua inveja, julgava que o próprio céu não admitia tamanha formosura e tencionava desfazê-la, também esquivava-se do vento, porquanto este poderia, sorrateiramente, furtar-lhe uma de suas preciosas penas, pois era notória sua famosa arte de caçador de tesouros preciosos; contudo, o distinto adereço a ninguém pertencia, exceto a si mesma.

Entretanto, com o decorrer do tempo, a ave foi se enfastiando de apenas ostentar sua graciosidade à chuva e ao vento, esses que recebiam desmedida importância por parte dela, justamente por seus intentos perversos, porém pouco plausíveis, até mesmo para sua idealizadora. Não ousava adentrar a parte central da floresta, porque era lá que habitavam os animais mais famintos. Assim sendo, expulsou tais pensamentos de sua cabeça; não iria ao meio da floresta, estava decidido. Procurou algo a fim de se entreter e instantes depois, estava a acariciar suas penas. Achava-as tão macias e sedosas, embora não estivessem em contato com o sol. Porém, pensava, pelo astro rei nem sequer era benquista, muito pelo contrário, o mesmo, em sua inferioridade de beleza, emitia raios quentíssimos diretamente em sua direção, ambicionando incinerar suas plumas que o pospunham longamente à ave em matéria de encanto. Não era para menos que o local onde mais sentisse calor fosse nas penas, este muitas vezes difícil de aguentar; contudo, ela era perseverante.

Entretanto, perto da lua, o sol era até bondoso, pois essa já que não podia competir com a ave em exuberância, porque o esplendor da mesma eclipsava a rainha da noite, decidiu deixar toda a floresta imersa na escuridão durante um longo período, diariamente e sem tréguas. Sendo dotada de um imenso egoísmo, seu lema era: "se eu não for admirada, ninguém o será".

Sua graça passou a irritá-la, porque pensava: "de que adianta ter uma infinidade de belas plumas e nem sequer um ínfimo grupo de observadores dispostos a elogiá-las?". Comparava-se ao mais sublime dos poemas, nunca lido por ninguém, exceto por seu autor. Sentia-se imensamente triste, almejava fazer consigo mesma exatamente o que faria com a folha na qual estava escrito o poema há pouco pensado. Rasgá-lo-ia em centenas de pedaços e os jogaria no vento com raiva, como que zombando do onipresente gatuno, pois, naquele momento, de nada lhe serviriam os enfeites da ave.

Por fim, não mais suportando o infindável tédio, resolveu dirigir-se ao cerne da floresta. Aprumou as plumas e repleta de expectativa, caminhou lentamente. Após alguns passos, já pôde ouvir o barulho dos outros animais. Escondeu-se atrás de uma árvore e principiou a perscrutar o que havia mais adiante. Deparou-se com um belo leão, deitado na grama, cuja expressão denotava enfado. Resolveu que obteria um elogio do rei da floresta e, parando diante de seus olhos, debaixo de um ponto propício iluminado pelo sol, ergueu entusiasticamente o mar de penas, que luziu maravilhosamente. Quando seus olhos buscaram o selvagem felino, nada divisaram, então voltou-se para o outro lado, avistando, de súbito, o enorme animal, este que detinha um olhar horrendo e exibia dentes imensos e incrivelmente afiados, que, em poucos instantes, abocanharam a bela ave. Destroçaram-lhe furiosamente o frágil corpo, não deixando praticamente nenhum remanescente, excetuando algumas poucas penas banhadas em uma poça de sangue quente. Estas que o vento não tardou em espalhar para longe.

3 comentários:

Isabella Corrêa disse...

O que não faz uma pessoa vaidosa, não? É difícil se sentir satisfeito apenas ao saber que é belo, é "preciso" mostrar isso aos outros.
Gostei do texto. =]

P.S: A feira vai acontecer! Do dia 19 a 29! =D Obrigada pelos votos!

John Rômulo disse...

CAETANO JA DISSE "Narcizo acha feio tudo o que não é espelho!"
é a pura verdade!

Rapaz,belo texto!
Parabéns,escritor!

segui-lo-ei!

Bazófias e Discrepâncias de um certo diverso disse...

Muito bom texto. Instinto versus vaidade. Devemos bater palmas para a beleza da realidade.
Abraço