segunda-feira, 1 de março de 2010
Diálogo insólito
George: Meu bom amigo, logo completarei 25 anos de casado, o que me diz a respeito?
Herm: Pelo que sei, você é um marido fidelíssimo, assim sendo, não vejo muito fundamento em um relacionamento único, o qual acaba por limitar os envolvidos sobremaneira.
George: Você e sua sinceridade desmesurada, meu caro, não me admira que eu seja um dos seus poucos amigos. Porém, permita-me inquiri-lo por que julga tal espécie de união tão descabida?
Herm: Pois o desenvolvimento do ser reside no contato direto com o máximo de experiências possíveis, destarte, vejo, por exemplo, a dedicação a um único trabalho como uma maneira de privar os indivíduos de alçar voo, o mesmo se dá com sua espécie de relacionamento.
George: Neste ponto, nossas opiniões divergem imensamente, pois acho sublime o fato de se dedicar uma enorme parcela de sua vida a uma única pessoa, recebendo o afeto de volta em idênticas proporções. Acerca dos trabalhos distintos, permita me indagá-lo de onde proveio tal pensamento?
Herm: Surgiu da leitura de uma obra responsável por significativa mudança em minha forma de pensar, o livro em questão é A ilha, de Aldous Huxley, no qual pelo menos em duas situações fica clara a utilidade de uma ampliação de experiências. A primeira se dá em relação à família, pois quando os indivíduos não estão contentes em suas vivendas ou julgam-se deveras diferentes de seus progenitores, podem ir morar certos períodos com outras pessoas, como se houvesse uma imensa família adicional, mas nada genético. O mesmo se dá com os pais, que recebem um outro "filho", na saída do rebento genuíno. A troca em questão não dura muito tempo, mas produz resultados espantosos para ambos e pode ser posta em prática diversas vezes. O outro ponto concerne ao trabalho como já lhe disse, havendo o contato com diversos contextos, ampliando os horizontes e as capacidades das pessoas.
Creio que o mesmo se suceda com os relacionamentos, tome como referência o romance de Sartre e Simone de beauvoir, o filósofo afiançava que ela era seu amor necessário; contudo, ambos desfrutavam de amores contingentes.
George: Meu caro, não seriam ideias incomuns apenas visando discordar dos termos vigentes?
Pois se um indivíduo nasceu em uma deterinada família é porque essa é a que com ele mais condiz. Quanto ao trabalho, o mesmo se dá; o indivíduo dedicar-se-á àquilo que tem mais aptidão. Quanto ao amor, nem sequer preciso externar minha opinião, porquanto você já a conhece bem.
Herm: Meu caro, você se equipara ao sábio Pangloss de Voltaire. Enquanto a ilha de Pala, presente na obra de Huxley, assemelha-se a Eldorado, um recanto aconchegante presente apenas nas mentes humanas.
George: É óbvio que não acho que vivemos no melhor dos mundos possíveis; entretanto, as mudanças que você propõe são demasiado radicais. Posso até considerar parte delas como um mero pretexto para a devassidão. Felizmente podemos ser francos um com o outro ao extremo, sem que nos zanguemos mutuamente.
Herm: Decerto, meu estimado companhero, pois se dispomos de alguma virtude, essa consiste em não nos enfurecermos com a opinião alheia; como disse Voltaire: "Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las". Ao menos neste princípio nós concordamos indubitavelmente...
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2 comentários:
Diálogo bastante interessante, de dois indivíduos emancipados que expressam certeza e dúvida ao mesmo tempo... é um assunto bastante intrigante, é uma convenção comum da sociedade ocidental...
Mas acho que, por fim, é a maneira de ser e de "caber" de cada um é que dirá como serão... a questão da fidelidade segue o mesmo padrão.
Ser ou não ser, eis a questão. Basta viver então!
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