sábado, 10 de julho de 2010

Antigos amigos

"Tornei-me o que sou por causa deles, porém assim o sendo, não mais os desejo em minha vida"

Dois amigos, Mark e Charles, encontram-se após certo tempo sem se ver, cumprimentam-se efusivamente, em seus semblantes despontam genuínos sorrisos; contudo, quando começam a conversar, um vazio é sentido e a percepção de que as enormes semelhanças de outrora desvaneceram-se surge de modo triste e avassalador.

Um dos rapazes conta ao outro algumas de suas aventuras, estas que soam deveras descabidas ao companheiro, lembra-se de quando sentia prazer em modos de vida análogos; porém, tais momentos há muito foram digeridos pelo tempo e expelidos em um canto qualquer. O colóquio foi incapaz de se prolongar por mais de alguns minutos, porquanto a intimidade já não era a mesma de antanho, logo o assunto cessou e um dos amigos fez uso de um fictício atraso para se despedir. Abraçaram-se e houve troca de gentilezas, juraram telefonar um ao outro a fim de combinar um reencontro.

Meras formalidades, pois os telefones comportariam maior mudez do que os dois conhecidos o fizeram. Mark sentiu-se angustiado em seu trajeto conducente ao lar, porque como era possível a redução de uma genuína amizade a proporções tão nefastas: o desconforto perante o outro e o desinteresse concernente aos dizeres alheios? Tentou atribuir ao distanciamento existente entre ambos a estranheza do encontro; decerto sentir-se-iam mais à vontade em uma próxima oportunidade e o papo fluiria naturalmente, equiparando-se às águas de um rio, no qual inexistem empecilhos como troncos de árvores e tralhas humanas ali lançadas.

Contudo, a razão tratou de resgatá-lo de um afogamento em pensamentos espúrios, e, a despeito do ato heroico, recebeu um olhar animoso em virtude de sua impertinência, destarte vingou-se com um arrazoado sermão. Alegou que o caminho dos dois rapazes divergira drasticamente, portanto como esperavam se reencontrar? Mark se afastou de seus camaradas quando começou a pensar diferente, por si mesmo, pois a permanência em meio às mesmas companhias acaba se mostrando uma barreira à mudança, logo precisou tomar seu próprio rumo, em suma, sua escolha surgiu na forma de um silencioso adeus; o qual, contudo, possibilitava-lhe novos encontros, um recomeço. Todavia, as amizades que deveriam substituir as antigas ainda não cumpriram sua tarefa.

Embora a contragosto, não pôde divisar falhas no monólogo racional proferido por sua consciência, portanto anuiu a suas ideias. Era um ideal romântico seu desejo de restabelecer plenamente sua relação de amizade com Charles, pois da mesma forma que se nossos principais divertimentos pueris fossem revisitados em nossa fase adulta, não mais encontraríamos deleite nos mesmos, destarte é necessário o distanciamento, deixando que a memória trate de mitificá-los, não competindo ao nosso empirismo findar com a sublimidade das recordações. Seria diferente no que tange à amizade? Provavelmente não. Porque houve apenas um verdadeiro momento formidável na conversa dos dois amigos, foi quando rememoraram situações pretéritas, pois riram a valer das zombarias com as quais estavam afeitos, das alcunhas atribuídas aos companheiros e das pilhérias que se pregavam mutuamente. Entretanto, poderiam apenas relembrar o passado, pois o presente de ambos já não mais se relaciona, os elos foram desfeitos, e a única forma de uni-los novamente seria mediante amarras ou algemas.

Por fim, atinou que as belas histórias escritas com os antigos camaradas não seriam obliteradas pelo tempo, nem sequer os aprazíveis aprendizados seriam olvidados. Lembrou-se de que começou a tocar violão por influência de um rapaz outrora chamado de amigo; o adjetivo não pode mais lhe ser destinado, porém a dedicação pelo instrumento permanece, logo uma parcela do antigo companheiro ainda é carregada, diariamente, assim como o gosto pela leitura que lhe foi incutido por outro dos confrades pregressos. O pensamento em questão foi responsável por alegrá-lo um pouco; todavia, o equilíbrio é necessário, então concluiu fatidicamente que se o primeiro contato com os velhos comparsas houvesse se dado nos dias contemporâneos, não faria a menor questão de suas amizades.

2 comentários:

Danilo Moreira disse...

Olá Michel!

Cheguei até seu blog através do Espaço em Branco. Achei o título muito interessante.

Qto ao post, já tive essa sensação. Euforia ao encontrar um grande amigo de outrora, mas depois, não há mais assunto, nao temos mais nada de importante para conversar, nada de mais semelhante... é muito estranho.

Realmente são poucas as amizades para uma vida toda, mais comuns são aquelas certas para o momento certo...rsrs

Parabéns pelo blog! Gostei da proposta!

Um abraço!

Danilo Moreira
http://blogpontotres.blogspot.com/

........ disse...

O exercício literário insinua as possibilidades humanas de existência. Por isso seu conto me diz respeito, me identifico com as questões levantadas acerca da amizade.

Lindo blog, passarei outras vezes.
Abraço
Záia