terça-feira, 27 de outubro de 2009

(In)Sensata separação


O sol vespertino sorria no horizonte, colorindo o céu, as árvores e o rosto das pessoas que passeavam pelas ruas cálidas da estação das flores. Contudo, um casal discutia, pois a garota iria fazer uma viagem para a Alemanha, esta que duraria 7 meses e lhe seria de extrema relevância. O rapaz não se opunha à viagem; todavia, não cria na possibilidade do romance perdurar, porquanto cada um viveria em um continente distinto. A jovem objetava que eles não se envolveriam com ninguém, continuariam o namoro mesmo longes, porque logo ela estaria de volta.

Ele lhe disse que seria impossível fazer um juramento de não se envolverem com outrem, pois não podiam controlar o acaso. A menina retorquiu que se ele a amava, seria simples de cumprir tal promessa. Todavia, obteve como resposta palavras tristes que afirmavam ser simples amar alguém quando há proximidade, contudo a distância muda tudo, porque viviam um romance movido pelos sentimentos, não pela razão, dessa forma, como poderiam prever suas ações futuras? Afiançar a eternidade de um sentimento? A garota não conseguiu dissimular sua desolação ao ouvir tais sentenças. Verteu pequenas lágrimas que marcaram seu formoso rosto. Deixando o rapaz muito embaraçado, pensando freneticamente; entretanto, sendo incapaz de emitir qualquer comentário reconfortante.

Por fim, proferiu desengonçadamente palavras que unicamente serviram para recrudescer a consternação da menina. Afirmou-lhe que há um grande equívoco entre os indivíduos, porquanto desejam adaptar os sentimentos a eles próprios, não o contrário. Equiparou tal conclusão a um ente que está insatisfeito com a linguagem do livro que tem em mãos, visto que não a compreende plenamente, porém a obra não pode ser modificada, pois já está impressa, já foi finalizada, assim sendo, cabe apenas ao leitor se adaptar, pegar um dicionário e aprender os vocábulos que desconhece. O mesmo até poderia buscar outras edições do escrito, onde encontraria mais facilidade em certos trechos, contudo se complicaria em outros, pois a essência é a mesma.

A menina lhe disse, já com os tristes olhinhos azuis marejados, que, como ele mesmo dissera, sendo o amor algo não racional, não deveria receber esse tipo de análise. Afirmou que já haviam brigado algumas vezes, e haviam se acertado novamente há pouco tempo e agora quando estavam felizes, ele solaparia tudo. O jovem implorou-lhe que não chorasse; odiava vê-la de tal forma. Contudo, afiançou que já haviam terminado e tentado novamente inúmeras vezes. Comparou-os a um lápis, o qual tem a ponta quebrada, logo o apontam a fim de recobrar-lhe a funcionalidade; contudo, cada vez que o consertam, ele vai diminuindo de estatura, chegando a um momento em que não sobrará nada.

A jovem compreendeu tal metáfora e, imersa na dor, saiu desconsolada, sentido uma tristeza para ela inexistente, jamais imaginou que um sentimendo alcançasse tamanha intensidade. Pediu que o rapaz a deixasse em paz quando esse tentou se redimir. Declinou seus pedidos de perdão e disse-lhe para jamais procurá-la novamente. O jovem quedou paralisado, principiou a andar sem rumo, errando de rua em rua. Nos poucos momentos em que erguia o rosto, divisava prédios horrendos, pessoas sem graça, uma natureza mórbida que parecia deleitar-se com seu infortúnio. O leve movimento das árvores parecia zombar dele. Baixou novamente a cabeça e seguiu caminhando. 

domingo, 18 de outubro de 2009

Diálogo noturno



Em uma taverna dotada de pouca luz, dois amigos discutiam calorosamente.

Aristides: Deparei-me com o seguinte trecho em uma canção: "se no jogo não há juiz, não há jogada fora da lei", o que você, não crendo em Deus, diz-me acerca do fragmento em questão?

Friedrich C.: Primeiramente, meu amigo, você não acha os indivíduos que agem de forma bondosa para com o próximo, meramente visando alcançar o paraíso, os seres mais execráveis da face da terra? Porquanto se não acreditassem na divindade, sairiam saqueando seus companheiros, a fim de acumular riquezas, matariam sem receio os que pensam e agem de forma contrária à deles.

Aristides: Creio que agimos todos movidos por algum interesse. No exemplo que você utilizou, os crentes em Deus agem procurando alcançar o céu. Portanto, se estamos famintos, podemos subir em determinada árvore a fim de apanhar alguns frutos para saciar nosso apetite; todavia, se não houver fome, qual o sentido em despender a energia de tal escalada em vão?

Friedrich C.: Você se utiliza da razão em sua análise; entretanto, em certos casos, a racionalidade é ineficaz se não for acrescida aos sentimentos, logo, pergunto-lhe se seria sensato não salvar o próprio pai de um afogamento, visto que com sua morte receberíamos a herança mais cedo? Segundo uma forma de pensar destituída de sentimentos, o perecimento do progenitor seria deveras vantajoso; em contrapartida, a mesma atitude seria vista como atroz e inadmissível, se puséssemos o amor sentido por tal indivíduo na questão. Posso lhe afirmar que faríamos o mesmo por um desconhecido, pois gostaríamos que o mesmo fosse feito por nós, se nos encontrássemos em tal situação adversa.

Aristides: Concordo com o que você proferiu, caro companheiro; porém, dar-lhe-ia outro nome; eu o chamaria de livre-arbítrio, porque nos foi dada a possibilidade de escolher entre agir mal e arcar com as devidas consequências ou fazer o bem e nos darmos o direito de usufruir dos benefícios oriundos de tais ações.

Friedrich C.: Deste modo, prezado confrade, você jamais viu a injustiça passar impunemente? O mau ser mais ditoso do que o bom?

Aristides: Isso pode até ocorrer na vida terrena, mas não há maldade que saia incólume do julgamento divino.

Friedrich C.: Meu bom amigo, você deve privar-se da ilusão de que vivemos em um mundo plenamente justo, pois muitas vezes o egoísmo prepondera sobre a bondade. Entretanto, deve-se mostrar o caminho certo, mediante a educação, e não por intermédio do temor e de mitos descabidos.  Ademais, se temos um criador, não seria ele responsável por todas as perversidades que perpetramos?

Aristides: Pelos céus! De onde provém tamanho disparate? Deus nos dá a liberdade de escolha, para que façamos o que julgarmos correto.

Friedrich C.: Elucide-me, portanto, o fato a seguir. Se deus é onisciente - sabendo a que tipo de ações estamos sujeitos -, apercebe-se de quando põe um ser nefasto no mundo, o qual todos devem temer, caso estimem suas vidas e a de seus familiares. Outrossim, sendo onipotente, por que razão não cria apenas indivíduos providos de bondade e amor por seus semelhantes?

Aristides: Nosso criador sabe acerca de tudo que aconteceu e está acontecendo, porém não pode ver o que ainda é incerto, ou seja, o que ainda não foi feito. No atinente a sua onipotência, Ele cria apenas entes bondosos; contudo, a sociedade, desprovida de fé, trata de os corromper.

Friedrich C.: Você alguma vez se indagou se deus é realmente tão benevolente, caso realmente exista, se não estaria apenas divisando nossa desafortunada situação com um olhar risonho? Ademais, não pode ter desaparecido há muito tempo, ou apenas nós somos dotados de um curto período de existência...

Assim, noite adentro, permanece o colóquio dos dois companheiros, munidos de pensamentos tão distintos; porém, que deveras se estimam mutuamente. Pois como disse Bertrand Russell: "Encontres mais prazer em desacordo inteligente do que em concordância passiva, pois, se valorizas a inteligência como deverias, o primeiro será um acordo mais profundo que a segunda."

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Elogios que não elevam


Estava, esses dias, conversando com um amigo acerca dos elogios, do quão benéficos e do quão prejudiciais podem ser. Primeiramente, pode-se objetivar que nada é mau por si só, visto que depende da relação que terá com a pessoa com a qual entrar em contato, eis uma afirmação correta, entretanto é difícil se esquivar dos danos provocados, sobretudo quando não somos muito maduros, de maneira semelhante, pode se perguntar se é possível ficar um longo período exposto a um sol escaldante sem que ocorra algum problema, embora ínfimo?

Conclui-se que, embora o calor proporcionado pelo astro rei seja aprazível, o mesmo pode acarretar efeitos nefastos. Com relação aos elogios, sucede algo bastante análogo, porque é deveras agradável a sensação de se ouvir um comentário positivo acerca de algo que realizamos a contento; contudo, pode-se obter uma espúria convicção de que estamos demasiado proficientes naquele empreendimento, destarte, não mais nos empenharemos em aprimorá-lo. Pode-se adaptar o exemplo de Sêneca para o contexto em questão: “Penso que muitos poderiam ter chegado à sabedoria se não pensassem já serem sábios, se não tivessem dissimulado para si mesmos algumas coisas e se não tivessem passado por outras tantas com os olhos fechados. Não há razão para pensares que a adulação alheia nos é mais perigosa que a nossa própria”.

Porém, há uma forma ainda pior de estrago gerada por elogios desmesurados, porquanto a primeira pode frear o empenho voltado a certa atividade; esta, por sua vez, finda algo de produtivo antes mesmo que àquilo se inicie a dedicação. Pode ser notada naqueles indivíduos que desde pequenos são venerados, porque detêm uma incrível beleza física, assim sendo, obtêm tudo com menos esforço do que o habitual, tornando-se pessoas pouco hábeis no que é realmente útil. 

Felizmente, há exceções, pois nem todos se deixam influenciar negativamente pela admiração alheia. Porém, em geral, é triste que algo tão agradável como ser elogiado produza efeitos tão improdutivos. Em suma, equipara-se a enfeitar uma ave com um belo e pesado ornamento, este que a dotará de imenso esplendor; todavia, a privará de voar.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Desespero inspira-dor


Passos vagarosos, espera desesperada

Sem sair do lugar, almejando a sua chegada

Com um livro imenso, procura distração

Mas é insuficiente para livrá-lo da apreensão

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Recluso em pensamentos, tormentos atrozes

Concernentes a você suas consternações velozes

Condenações injustas, a solidão jamais é justa

Pois quando não é desejada, deveras assusta

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Abate uma alma que se debate ante o tempo

Que embora passe, deixa intacto o lamento

Diferente do olhar, que segue exausto e atento

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Atento a uma maravilhosa aparição inesperada

Uma presença que o cumula de luz, lhe agrada

Porém a esperança pouco a pouco o vitima

De uma incessante e insuportável rotina

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Poema pueril



Pequenos em estatura, mas de imensa imaginação

Maravilhados com contos de fadas, alheios à desilusão

Detêm almas cândidas, desconhecem preconceitos

Somente à amizade e ao perdão encontram-se afeitos

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Entretanto, ao invés de com eles aprendermos

Nossos vícios aos pequenos logo transmitiremos

Assim, perde-se de manter uma alma pueril

Pois com desmedida pressa a tornamos senil

-

Morre-se de saudade do que se era na infância

Seres infames, que almejam o passado com ânsia

Não mais afeitos ao afeto, já com o espírito decrépito

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Um cristal jamais será o mesmo após se quebrar

Assim, a pureza pueril como poeira a se dispersar

Perder-se-á para sempre, deixando vozes a lamentar

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Vislumbres de Vaidade


“Porventura crês e, aqui, como velho jogo flores sobre mim mesmo, teria passado meus dias e noites atarefado, em tempo de guerra e em época de paz, se com a minha morte também morressem minha fama e glória?
Não teria sido preferível ter vivido na tranqüilidade, sem empenhos e labutas?" Cícero

Um veículo não se move sem um combustível, o mesmo ocorre com a espécie humana, que nada faz se inexiste um impulso, este que é oriundo de um sentimento ou sensação, e de um desejo, cuja função é satisfazer, anular ou manter o que nos instigou a agir. Pode-se constatar a presença da vaidade entre os principais fatores que nos movimentam.  
Primeiramente, é possível notar uma desmedida dose de vaidade na frase de Cícero, a qual principia este escrito, porquanto o filósofo age pensando na posteridade. O mesmo pode-se notar por parte de certos católicos, na obra O elogio da loucura, de Erasmo de Rotterdam, que se gabam de pouca relevância dar às coisas mundanas, visto que uns se vangloriam de nunca terem lavado o hábito que vestem, outros, de jamais terem tocado em dinheiro, alguns, de realizarem jejuns por longos períodos, entre outros exemplos, contra os quais o autor afirma que Deus apenas almejava que eles exercessem a caridade.
Como se viu, a vaidade é intrínseca ao homem; contudo, pode ser benéfica ou não. Certos indivíduos gabam-se de possuir uma compleição escultural, realizando diversos esforços na obtenção da mesma; entretanto, como disse Erasmo: “Em suma, se a aparência fizesse homens, as estátuas seriam parte do gênero humano”.
Sêneca afirma haver vaidade até mesmo no atinente à morte de outrem, pois fingimos estar muito mais tristes do que realmente estamos na presença de outras pessoas, mesmo quando a dor já passou, dissimulamos a sua permanência. Há outro exemplo interessante na obra O cavaleiro inexistente, de Italo Calvino, na qual há uma armadura alva impecável, todavia não há nenhum cavaleiro dentro da mesma, embora ela se mova e seja capaz de falar. Tal ser é impecável em tudo que faz, e desmente seus companheiros quando contam histórias espúrias ou imprecisas acerca de seus feitos no exército, outrossim, os repreende quando não se empenham com o devido afinco em suas tarefas, em suma, fere a vaidade de seus confrades, e é justamente por isso que é um cavaleiro inexistente, porque ninguém almeja alguém assim por perto, porquanto preferem manter a boa impressão que possuem de si próprios. Como disse Albert Camus: “Sobretudo, não acredite nos seus amigos, quando lhe pedirem que seja sincero com eles. Só anseiam que alguém os mantenha no bom conceito que fazem de si próprios, ao lhes fornecer uma certeza suplementar, que extrairão de sua promessa de sinceridade. Como poderia a sinceridade ser uma condição da amizade? O gosto pela verdade a qualquer preço é uma paixão que nada poupa e a que nada resiste. É um vício, às vezes um conforto, ou um egoísmo. Portanto, se o senhor se encontrar nesse caso, não hesite: prometa ser verdadeiro e minta o melhor que puder."
Concluindo, é notório haver pontos positivos e negativos no que concerne à vaidade, embora os infundados denotem preponderar, desta forma suscitando um número cada vez maior de armaduras (lembranças) dotadas de imensa retidão; todavia, desprovidas de cavaleiros.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Surreal



Seus dizeres indecorosos sei de cor

Recorro a reminiscências com ardor

Porém, preferiria não as encontrar;

O desconhecido não se precisa olvidar

-

Deparo-me com diversas estátuas

Nelas reparo e, a despeito da beleza,

Não se movem, preciosidades fátuas

Comparadas a um precisar impreciso

Porém prolixo, ao invés de conciso

-

Pensamentos complexos ao entendimento

Sentimentos desconexos ao pensamento

Verdades intermitentes, saudade contínua

De algo mais imaginado do que vivenciado