quinta-feira, 29 de abril de 2010

Escolhas (parte derradeira)


Após dias de relutância, conseguiu enganar o receio e dirigiu-se à sala, a fim de participar sua decisão a seus pais. Sem preâmbulos, comunicou-lhes seu intento de pôr fim aos estudos na área do direito, pois não era o que realmente desejava para sua vida, a menos que comutasse tal vocábulo por existência. Ante a menção dos anseios do rapaz, seus genitores ficaram estupefatos e proferiram:

-Então, por acaso não sabemos o que é correto pra você? Diga, então, o que quer fazer no lugar do que escolhemos!

Nikolau lhes disse que desejava tornar-se um escritor, ademais tinha interesse em cursar uma faculdade, apenas não lhe agradava o curso em questão. A ira de seu pai foi ao ápice e este bradou:

-Ah, então, o que você quer é morrer de fome, não ter nem mesmo onde cair morto? Se é assim, eu posso antecipar sua vontade com o maior prazer, porque será expulso daqui, caso me venha com essas asneiras de novo!

O jovem tentou argumentar, entretanto a autoridade de seu carrasco era muito mais persuasiva, sobretudo por não permitir que pensamentos contrários aos seus fossem externados. Eis a melhor maneira de vencer um duelo: imobilizar seu oponente por intermédio de cordas antes da contenda começar.

Nikolau adentrou seu quarto e ali permaneceu, distante dos seres responsáveis por suas maiores desditas. Já tentara lhes dizer suas formas de pensar, contestar seus argumentos mediante a razão; contudo, tais atitudes só serviram para recrudescer a ira paterna e horrorizar sua mãe. Lembrou-se do que lera em um escrito de Diderot, que servia muito bem para ilustrar o ocorrido:
"Apresentar a verdade a certas pessoas (...) é introduzir um raio de luz num ninho de corujas; serve apenas para ferir seus olhos e excitar seus gritos".

Resolveu que não mais conviveria com seres tão execráveis, pouco lhe importava que fossem seus pais, afinal, a culpa não era dele. Maldito acaso que o depositou naquela residência, em companhia de indivíduos deveras tacanhos. Sua situação o fez pensar em quão perversos são os idealistas para si mesmos e para a própria sociedade, porquanto pressupõem ter nascido na melhor das famílias possíveis, se outrem seleciona para eles um marido ou uma esposa, acabam por julgá-la uma escolha bastante arrazoada, afinal não poderia ser de outra maneira. Por fim, concluiu ser o romantismo que a tudo envolve uma maneira espúria de mascarar a resignação, pois, desse modo, nossas fraquezas tornam-se imperceptíveis, da mesma forma que se atribui o infortúnio às condições e não às falhas que cometemos. Para Nikolau, o idealismo é um grande construtor do invisível, enquanto o ceticismo dá forma ao tangível.

Provavelmente não teria uma oportunidade de retornar ao lar, caso saísse nas circunstâncias em questão. Se tal possibilidade existisse, tudo seria mais simples, afinal, quando há uma lona sob nós, é muito mais fácil ousar e, por conseguinte, ir mais longe em uma corda bamba. O receio em relação à queda é um grande responsável pelo desequilíbrio. Todavia, embora pudesse descartar seus genitores, Nikolau não estava sozinho neste mundo, porquanto dispunha de amigos e de outros familiares mais bem intencionados, destarte, não havia meramente o impiedoso chão de pedra sob si. Portanto, começou a separar suas roupas e a imaginar com enlevo como seria a despedida.

2 comentários:

Giulia Jardim Martinovic disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Giulia Jardim Martinovic disse...
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