domingo, 31 de maio de 2009

Escritos noturnos



Amanda estava sentada defronte a sua casa, a lua enorme e brilhante no céu lhe servia de inspiração, destarte resolveu escrever. Rememorou um antigo, infundado e duradouro romance com um rapaz que se mostrara deveras interessante no princípio; contudo, que foi transformado em alguém não tão agradável pelo passar do tempo. Pôs se a escrever:

"Seria justo atribuir a Cronos as mudanças desagradáveis que ocorrem em quem gostamos? Decerto, seria mais simples, porém nem sempre a simplicidade é sinônimo da eficácia, da mesma forma que a verdade nem sempre é dotada de beleza. Ademais, nada resiste a nossas malditas convenções. 

Cresci imersa em contos de fadas e finais felizes (tendo de reescrevê-los); porém, não seriam tais formas de ilusão uma espécie de agravante para a infelicidade, porque para muitos é incrivelmente doloroso aperceber-se de que suas crenças eram simplesmente falsas. Não queria ter de repetir que a verdade prescinde de beleza. Mas por mais que reitere uma infinidade de coisas, estas não são dignas de crédito na grande maioria das vezes.

Inquiro-me quais vocábulos destinar ao enorme larápio intitulado romance, cuja função foi furtar diálogos inteligentes e brincadeiras aprazíveis, deixando a si mesmo no lugar; tamanha é a sua presunção. E o que dizer acerca das alcunhas e frases feitas distribuídas a seus servos? A verdade é que o romance perdeu sua essência, bons tempos nos quais Shakespeare proferira: 'Conservar algo que possa recordar-te seria admitir que eu pudesse esquecer-te'. Contudo, talvez minha insatisfação devesse ter outro endereço, deste modo sendo destinada à banalização de tudo e de todos que nos circundam. Exato, vejo maior sensatez em atribuir a culpa a isso do que ao romance em si.

Desde cedo, fui presenteada com a falsa noção de que há atração entre indivíduos opostos, como se diz, foi uma mentira repetida até tornar-se verdade. Logo, gostavam de afirmar que eu e o ser no qual estava pensando antes de encetar a escrever éramos apenas um. Agora, paro-me a pensar em que consistiria isso, algo como uma bailarina dentro de uma estátua. Felizmente, a partir do instante no qual se abrem os olhos, tudo se encaminha a seu lugar, e a mentira torna a ser mentira.

Medito se a desvalorização da inteligência deve ser atribuída à desmesurada valorização da beleza. Concluo que não somente a tal fator, pois ambas podem conviver lado a lado e em plena harmonia, porquanto não se equiparam a uma taça que quanto mais cheia estiver, menos vazia se encontrará. Porém, é triste que a beleza seja diretamente proporcional à solicitude das pessoas em relação a quem dela é detentor, pois, desta forma, quem possuí-la conseguirá tudo mais facilmente, contudo o crescimento reside no esforço, porque..."

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