domingo, 18 de outubro de 2009

Diálogo noturno



Em uma taverna dotada de pouca luz, dois amigos discutiam calorosamente.

Aristides: Deparei-me com o seguinte trecho em uma canção: "se no jogo não há juiz, não há jogada fora da lei", o que você, não crendo em Deus, diz-me acerca do fragmento em questão?

Friedrich C.: Primeiramente, meu amigo, você não acha os indivíduos que agem de forma bondosa para com o próximo, meramente visando alcançar o paraíso, os seres mais execráveis da face da terra? Porquanto se não acreditassem na divindade, sairiam saqueando seus companheiros, a fim de acumular riquezas, matariam sem receio os que pensam e agem de forma contrária à deles.

Aristides: Creio que agimos todos movidos por algum interesse. No exemplo que você utilizou, os crentes em Deus agem procurando alcançar o céu. Portanto, se estamos famintos, podemos subir em determinada árvore a fim de apanhar alguns frutos para saciar nosso apetite; todavia, se não houver fome, qual o sentido em despender a energia de tal escalada em vão?

Friedrich C.: Você se utiliza da razão em sua análise; entretanto, em certos casos, a racionalidade é ineficaz se não for acrescida aos sentimentos, logo, pergunto-lhe se seria sensato não salvar o próprio pai de um afogamento, visto que com sua morte receberíamos a herança mais cedo? Segundo uma forma de pensar destituída de sentimentos, o perecimento do progenitor seria deveras vantajoso; em contrapartida, a mesma atitude seria vista como atroz e inadmissível, se puséssemos o amor sentido por tal indivíduo na questão. Posso lhe afirmar que faríamos o mesmo por um desconhecido, pois gostaríamos que o mesmo fosse feito por nós, se nos encontrássemos em tal situação adversa.

Aristides: Concordo com o que você proferiu, caro companheiro; porém, dar-lhe-ia outro nome; eu o chamaria de livre-arbítrio, porque nos foi dada a possibilidade de escolher entre agir mal e arcar com as devidas consequências ou fazer o bem e nos darmos o direito de usufruir dos benefícios oriundos de tais ações.

Friedrich C.: Deste modo, prezado confrade, você jamais viu a injustiça passar impunemente? O mau ser mais ditoso do que o bom?

Aristides: Isso pode até ocorrer na vida terrena, mas não há maldade que saia incólume do julgamento divino.

Friedrich C.: Meu bom amigo, você deve privar-se da ilusão de que vivemos em um mundo plenamente justo, pois muitas vezes o egoísmo prepondera sobre a bondade. Entretanto, deve-se mostrar o caminho certo, mediante a educação, e não por intermédio do temor e de mitos descabidos.  Ademais, se temos um criador, não seria ele responsável por todas as perversidades que perpetramos?

Aristides: Pelos céus! De onde provém tamanho disparate? Deus nos dá a liberdade de escolha, para que façamos o que julgarmos correto.

Friedrich C.: Elucide-me, portanto, o fato a seguir. Se deus é onisciente - sabendo a que tipo de ações estamos sujeitos -, apercebe-se de quando põe um ser nefasto no mundo, o qual todos devem temer, caso estimem suas vidas e a de seus familiares. Outrossim, sendo onipotente, por que razão não cria apenas indivíduos providos de bondade e amor por seus semelhantes?

Aristides: Nosso criador sabe acerca de tudo que aconteceu e está acontecendo, porém não pode ver o que ainda é incerto, ou seja, o que ainda não foi feito. No atinente a sua onipotência, Ele cria apenas entes bondosos; contudo, a sociedade, desprovida de fé, trata de os corromper.

Friedrich C.: Você alguma vez se indagou se deus é realmente tão benevolente, caso realmente exista, se não estaria apenas divisando nossa desafortunada situação com um olhar risonho? Ademais, não pode ter desaparecido há muito tempo, ou apenas nós somos dotados de um curto período de existência...

Assim, noite adentro, permanece o colóquio dos dois companheiros, munidos de pensamentos tão distintos; porém, que deveras se estimam mutuamente. Pois como disse Bertrand Russell: "Encontres mais prazer em desacordo inteligente do que em concordância passiva, pois, se valorizas a inteligência como deverias, o primeiro será um acordo mais profundo que a segunda."

2 comentários:

Ana ® disse...

Adorei o texto e o blog também. Voltarei :)

P.S. da comu Good Writting Is Sexy

Isabella Corrêa disse...

Olá! =]
Notei a referência que colocou sobre sua cidade ser bem menor, e estive pensando, como pode? Na capital do país não haver tal incentivo a leitura? É mesmo de indignar.
Mas obrigada por ler (Fiquei até sem acreditar que alguém leu mesmo o que escrevi)!
Vou salvar o endereço do seu blog para que eu possa ler com mais calma depois. Novamente obrigada!