O quarto era sombrio, assim como o dia lá fora, porém, mesmo que o sol imperasse perenemente, o quarto manteria seu caráter lúgubre. Havia algumas poucas pessoas sentadas ao redor de uma cama um tanto simples, na qual jazia um senhor bastante enfermo. A fala estava muito bem aprisionada nas poucas bocas ali presentes, pois assim o doente desejara, após julgar condenáveis os absurdos há pouco proferidos. Quiseram os circunstantes despreocupá-lo acerca dos receios iminentes em tal ponto da vida no qual se encontrava. Para tal fim, falaram por certos instantes acerca de suas crenças na vida após a morte, ressurreição, eternidade da alma, entre outros assuntos reconfortantes. O velho mandou que se calassem, pois não precisava de conforto, sobretudo oriundo de formas espúrias de alívio. Chamou a todos de tolos, por acreditarem em tamanhas baboseiras, indagando-os se possuíam evidencias para professar tamanhas falsidades. Teve um excesso de tosse após esse breve momento de agitação. Logo que se restabeleceu, continuou falando, agora em tom mais brando. Comparou as crenças dos indivíduos ali situados e o modo como se portavam com base nas mesmas a colegiais indolentes que julgam poder protelar seus afazeres perenemente. Contudo, de maneira mais plácida, afiançou que, diferentemente de uma escola, a vida não permite novas oportunidades, não é uma questão de ser reprovado e poder obter êxito no ano subsequente, há apenas uma vida e o único pecado é não vivê-la de forma satisfatória. Como disse, o existir por si só não tem o mínimo sentido, portanto é necessário que lhe atribuamos um.
O pessimismo em suas palavras foi decretado unanimemente por todos no quarto. O enfermo pensou, abstendo-se de participar tal ideia aos demais: "é notória a falibilidade dos sentidos, porém como um mesmo argumento bem elucidado pode parecer otimista para alguns e derrotista a outros?". Prosseguiu: "A estética deveras atrapalha o julgamento humano dos fatos, pois é muito mais belo crer em novas e incessantes oportunidades do que responsabilizar o homem por seus próprios atos".
Foi decretado horário de visita, e aos sons inteligíveis foi permitido sair de seus cárceres. As pessoas começaram a falar entre si sobre fatos concernentes ao cotidiano. O velho ouvia à medida do possível, porquanto sua audição estava bem aquém do que já fora. Aquelas conversas simples o interessavam significativamente, muito além de metafísicas vãs. Sentiu uma imensa saudade dos tempos áureos de antanho, nos quais sua saúde o possibilitava de ir ter momentos aprazíveis com seus confrades de colóquio, maneira como se referia a seus amigos, em belas manhãs ensolaradas. Adorava também conversar com crianças, porque estas sempre o surpreendiam com suas perguntas inesperadas.
Deste modo, fica difícil julgar a mesma pessoa se equipararmos o velho ranzinza na cama deitado, com o amigável senhor de outrora. Entretanto, podemos atribuir o mau humor à sua saúde estável, às visitas que lhe soam enfadonhas, à saudade de suas leituras ou caminhadas matutinas, ou então simplesmente estava sendo castigado por seus pensamentos subversivos. Quem poderá saber.
A noite foi se acercando pouco a pouco, porém nada mudava com a sua chegada, visto a imensa escuridão na qual se encontrava o quarto. Contudo, houve algo significativo, seus visitantes começaram a ir embora, devido à hora avançada. Eram seus familiares a deixar o quarto, nunca houve uma genuína amizade entre eles, pois os julgava deveras entediantes e perversos, embora o conceito que tivessem de si próprios fosse outro. Por fim, a paz estava justamente esperando que saíssem para fazer companhia ao pobre senhor, ao menos essa era a forma de pensar do homem.
Ansiou para adormecer logo e para que seu sono fosse povoado por sonhos agradáveis, pois este era, ultimamente, o momento mais feliz de sua vida; porém, não se sentia nem um pouco injustiçado.
Um comentário:
Mais um texto lindo. Foi bondade de sua parte dizer-me que tenho uma boa fluência, pois, a meu ver, escreves muito melhor que eu.
Ah ,e u descobri que dá para conversar de yahoo messenger para hotmail, me adiciona? giuliamartinovic@yahoo.com.br
*Feliz Natal/ Yule para ti.
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